segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Nos olhos da menina II

perdida entre a boa educação, o narcisismo, o destrutivo, a diversão;
molhada de prazer e sujeira;
perdida na certeza da culpa que precede o ato,
está pertinho de deus.
a mordiscar indeléveis rendas tecidas pelo tempo contado
com seus amores,
cada conquista um novo grão
a adoçar a vida dos que dizem se importar,
fingem não sentir;
enquanto finge ela
temer
nova paixão.

Às lagartixas e às meninas

Voltam as lagartixas,
cabeças de jacaré,
rabos de companhia
a sacudir a imaginação de quem não dorme.
(Verão na minha terra.)
Mosquitos fecham janelas,
quebram romantismos
e, a reclamar pelas ondas
transmissoras de carências,
ninguém dorme.
Mas amanhã é logo já,
vem o raiar e o florescer,
florida saia da menina
a convencer-me
do óbvio escolher de minhas dívidas, prazeres:
o verão de minha terra.

Amores

de um lado a outro de tão curto espaço do quarto,
reduzido espaço do peito,
os pensamentos, os orgulhos e remorsos;
de um lado a outro deste antro chamado consciência
(e salvação),
se debatem as paixões, me abatem os amores.
todo o tempo, o tempo todo
me consomem os amores,
dilaceram-me os amores,
embriagam-me, entorpecem-me,
dão à luz meu
renascer.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Obra-Prima

Todo dia,
a brigar com a timidez do poeta,
sua imundície.
Pecado original, livramento
do qual todos carecemos.
Sempre a brigar
com seu instinto
de fuga,
o seu instinto vital.

A persuadir a razão,
consolidar-se sua fé,
o perigo, o risco, o inaudível
som do coração.
A inconsequência do sofrer o sofrer que ninguém quer,
todos ousam
e ele inscreve.

Não mais que a vida em si,
maior poeta nas fotos de fatos
a todo instante,
o poeta,
divino eterno frustrado poeta,
contempla,
a morrer engavetada,
envidraçada pelos olhos pra vida,
sua maior poesia.

Café IV

Bêbado no entardecer.
Minha fé, minha fronte,
minha fronte feia.
Esperança perdida, sigo sem saber.
Almeida Brandão me situa, sigo.
É que o poema bonito
não sou.
A bela mulher que desejo, tampouco.
Não, não sou minha bela mulher.
(Ainda que seja também.)

Eu sou o resto
do conhaque,
do cigarro,
da primeira dose a servir
de aposta perdida.
E a enganação 
até que servia.
Agora me serve, garçom d' alma sã,
a mais nova última
cerveja do dia.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Nos olhos da menina

Nos olhos da menina vi possibilidades.
Chovendo com ela meus anseios,
minha sede de um colo,
um repouso.
Nos olhos da menina me enxerguei
aventurei-me.
Fiz dela os versos de minha poesia;
e minha poesia se fez flores.

Mas não só flores fazem minha poesia
e em seus olhos fulguraram dissabores;
nos olhos da menina, o mau tempo.
A chuva é tempestade,
nos olhos corre o sangue
brutal das veias pulsando
incertezas.
Naturezas conversam,
entendem-se,
fecham-se;
reduzindo
ao nada
corações.
Em meus olhos
e nos olhos da menina.

Talvez um dia

Talvez um dia eu me lembre
de como passei a traçar
tristes e felizes traços
do que sou aqui.
Talvez um dia passe a entender meus amores
e toda a incoerência
visando seu não entender.
Talvez um dia eu passe a falar de política
como quem finge e convence
saber até poesia.
Talvez um dia eu passe a entender os poemas
sobre os quais falo e não falo;
sob os quais bordo meus dias.
E minha azia assim passe
como quem passa distante
e, assim, nem mais necessário
se faça minha vigília.
Talvez um dia, um moço decente.
(Talvez num dia indecente.)
Talvez um dia me encaixe.
Talvez um dia, a revolta.
Converse sobre a carreira dos grandes astros do rock;
o mal; o bem; meu eu no mundo.
Talvez um dia eu leia Os Lusíadas; Dante;
Bovary no original.
Mas, acredito que, acima de tudo e com tudo,
talvez um dia eu descubra
em meu grosseiro, comum e vazio distúrbio, meu eu inteiro.
E, como quem chega agora, pisando estranho terreno,
descobri-lo possa familiar.
E, assim, me saiba
de mim.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Balança o pôr do sol na janela, balança.

Balança o pôr do sol na janela, balança.
Esconde-se, reflete, alumia e de novo se esconde.
Balança o pôr do sol na janela, balança.
Acolhe-me, aconchega-me, balança, alumia e some.
Balança o pôr do sol na janela, balança.

Parece gangorra, gangorra...
Pôr do sol a brincar
enquanto a mãe chama:
“É hora de entrar,
hora de criança deitar!”

Fingindo ouvir não,
balança meu pôr sol na janela, balança.
Ora dança, ora dança.
Me embala, o menino, a ninar-me.
Balança o pôr do sol na janela, balança.
E descansa.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Limiar

Ao som das teclas do piano, o maestro coordena os passos do homem que, de costas, vai em direção ao precipício. A melodia acelera, reduz, valsa um tango numa só torrente, acelera como nunca e, no limiar da aurora, um staccato solitário breca a morte e arranca suspiros de agonia sucedidos por aplausos da plateia ensandecida: paixão e medo. Parece até o amor de nossos tempos; dos idos, e presentes, e vindouros tempos. Como a mulher e o homem, como o amor que nos induz a um novo tombo que nunca cai de vez. Que é sempre o mesmo tombo, mas que é sempre novo. Lentamente, a melodia recomeça, público em alerta. O homem não treme (artista maior). Deve ser ele (não sei), ou o maestro, ou ainda a música inaudível que, mediada pelos ares, conduz o risco, a tensão, a paixão e a tirania. Que nunca cessa. Recomeça a melodia. O homem, bailarina, conduz o coração, sem notar que é conduzido. Mas sente o cheiro da morte: staccato. A paixão que nunca cessa.

Um português bem mais ou menos

Como tentar lembrar, por exemplo, qual era a música no som do carro dele quando voltávamos do motel. Seu cheiro ainda está em mim, fácil distinguir, mas as músicas são muitas. Ficarei por mais um tempo lembrando disso tudo, é certo. Passam por mim todos os heróis ultrarromânticos que não mais posso ser. O certo, o errado, o que não tem nome e confunde. Passa a vida, passa mais vida, ensinamentos do que não mais se ensina e só confunde; são reticências. A cabeça voa, saio de mim. Sou esse rascunho mal riscado e a promessa de tanto, tanto vir. Faz-se necessário me cumprir, ser-me, lembrar-me, não me perder. Faz-se necessário enxergar o que se quer ser. São mais uns dias.

E vou levando a vida com esse meu português bem mais ou menos. Ergo a cabeça do chão, chegam vertigens. Preciso reaprender a andar, acostumar-me à vista reta, ao real, o horizonte. Agora são mais uns dias. Reticências.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Chamada perdida

Andando por entre becos que assustam, excitam,
nos chamam. É covardia, é burrice, besteira.
É o pior de mim e o mais puro.
É toda aquela pureza que deixei de ter quando passei a me questionar.
Não, não posso desligar, você me dispersa.
Meu gozo, minha libido, minha mente se vai com essa melodia macabra
do alerta de mensagem
do celular.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Falsidade

Gosto azedo na pele, cevada, cachaça.
O porre que ainda não veio
se faz ressaca.
O porvir, já exagero, me enoja.
Cansado de tanto amor, de amar,
faltam-me as cinzas do cigarro de um amor real;
o trágico.
As lágrimas de sangue sejam vinho.
As gotas negras da caneta que escolhi,
estando ali, esquecida, como eu,
transfigurem-se arte.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Distração

Hoje, à hora do almoço,
andei ruas e ruas.
E mais ruas e ruas.
Não vi, não ouvi.
Ao destino, qual não sei como cheguei,
cheguei poesia.
E a tarde, sempre tão cheia
de trabalhos, estresses, passados, futuros;
pôde ser luz, pôde ser dia.
Pôde ser presente
o meu presente dia.

domingo, 6 de outubro de 2013

Do pensamento

E que quando eu não puder mais escrever, ver e ler de novo a vida, guarda ainda em mim, ó, Deus, tudo que de vida vivi; para que, assim, todo vivo, poesia viva eu siga.

Parar

Mas que parar!
Pare co' esse tal de parar,
pare de seguir se explicando,
tramando sagrados planos,
Profano!

Mas que parar!
Pare de parar, contador!
Jogue essa piada no fosso,
fonte exígua de vida e encanto,
canção do eterno desacordar.

Venha comigo, Irmão Deus,
siga-me em todos meus sonhos
de arte, de morte, de fé,
pra tudo que se faz fiel: Lodo.

Deixe essa sinceridade no Lodo,
a falsidade brincante também.
Pare!, deixe esse todo falar!
Ama-me, venha viver!

sábado, 5 de outubro de 2013

Fuso horário

Pergunta-me na madruga, manhã tua.
Respondo-te em noite tua, tarde minha.
Aguardo-te, ansioso, em vão.
Bem finjo, e bem sabes que sei,
bom de contas que sou,
dormires.
A pensar comigo se sonhas
com horas que, hoje, confusas,
serão horas mesmas em noite
só nossa.

domingo, 22 de setembro de 2013

Poesia complementar

A procurar remédio para as aflições do peito,
pus-me a imaginar-te.
Possuir-me em ti passou a ser alento;
nem gozo, nem fúria, nem medo o orgasmo.
Acariciei-te, te encontrei desejo.
Tua boca, teus pelos, pele; teu sexo.
Minhas mãos cortaram o oceano.
Teus seios, teu cheiro, nossas peles em uma.
Nossos quereres, vontade.
Te quero adentrar.
Te quero.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Beco das palavras

Pelas páginas do livro agora,
introspecções me são.
Insanidade é o hoje
sussurrando ao doravante emergir
o retumbante amanhã.
E o amanhã é todo dia.
E todo dia um novo susto.
 
 
Pelo cinza silêncio
as bordas do pensamento me moldam.
Deformam-me cinza também.
É pelo imóvel que são tremores.
O quanto me sou distante
é para que me aproxime.
Sim, eu sei, tudo é contrário.
 
 
Contrário por ser único.
E ser contrário.
Por ser disforme é que posso me aninhar.
Sou todo torto, sou bobo e afobado.
Sou todo lento o pensamento.
Sou contrário
(justiça não posso almejar).
 
 
Como um orgasmo às portas do trágico,
encontro-me feliz insano.
A seduzir o caos, não mais me tenho.
Pensamento: sopa de letrinhas.
Sem suicídios outros, esvazio.
Deguste seu café agora
que esfria.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Café III

O café fala, o café mostra, o café conversa com a conversa da gente e nos elucida dentro de toda essa loucura que é ser. O café esclarece que não se esclarece nada; mas que tudo pode, e deve, sim, assim ser.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Coisas

Sob o olhar das páginas de um livro, a paisagem.
Uma imagem de cinema, inevitável filme o sonho meu.
A materialização de um sonho.

A torre encobre o pôr do sol.
As árvores provisoriamente castas.
O eu vigilante sob o viaduto.

Minha mão, minha mãe, meus filhos,
canções de uma vida agora sem precedentes:
momentânea mania de falar do agora.

O piano e as mesmas páginas do livro iluminadas
pela inegociável condição humana da solidão.
Um samba, um rock, uma canção de ninar.
Um conto ou romance nosso.
Uma imagem sua, no dia seguinte ao esboço de um poema,
o invade.
Tão somente sonho. Tão somente meu.
As páginas de um livro.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Nextel

Passam as bolas,
mudam placares,
eu fico.
Fincado em meu ser, à espera do tempo que passa
à deriva do tempo que vai.
Vou e volto das crises
sem me mexer.
Decido-me ao passo
e, desistindo-me, eu passo do encanto ao silêncio.
O irradiar das flores, fonemas, espaços por mim fomentados
e desiludidos.
Eu, toda a desilusão:
poética, sentida, entusiasmadíssima
caída ao chão,
repleta da dor que se faz
ao que vale
a felicidade e desgraça.
A eterna infelicidade feliz e o contrário
em se saber
escasso.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Faz-se a fé

As trilhas, os posts na rede, conversas, as marcas na pele e palavras, perguntas de como estamos. Tudo vai traçando, dia a dia, passo a passo, erro a erro, o que sou, no que vou me fazendo pelo que me dou. Cada poste, cada pedra, cada ponto ganho também. Cada acerto em seguir, já que, até onde sabemos sobre o ato da entrega, fica muito mais fácil dizer que somos certos. Cada alma que volta e conta o quanto se arrepende, e que a vida não é a covardia da morte, nos convence a ficar. Já que o único sentido é o que temos e vemos, o único caminho é o seguir. O único direito é crer.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Café II

Deu uma passadinha no bar, largou o emprego, contou à mãe, caiu a ficha e nunca mais na vida precisou tomar outro trago. Não por isso que não tenha tomado. Não por isso que tenha tomado também. Eternamente embriagado desde então.

Um plano

Nada a fazer, nada a ser,
a não ser ficar quieto.
Nada a entregar, confessar, 
ou admitir,
a não ser se deixar estar. Sentir.

Nada a sentir, a não ser tudo o que inevitavelmente está.
Talvez o sentir nunca verbo, ação do verbo sentir.
Não a ação do sentir, talvez não.

Nada a pensar, a não ser o que pensado está.
Então não haveria por onde?
Nada a perguntar, nada a crer ou não crer, 
tudo a fazer.
E há, mundo meu, de se encontrar
no fazer por algum onde estar.

domingo, 11 de agosto de 2013

Isto aqui

Foi tão pesado que nem romance deu, nem uma prosa ou canção. Tão tenebroso que até luz pôde ver. Foi tão estúpido que nem ensinar ensinou, apesar de que também. Hoje ele acordou e foi sorrir pro moço de rosto pontuado. Mas se enganou de dentes, quantidade de cortes, paladar sexual, conceitos de novos velhos hábitos. Encontrou um cara perdido a começar muito antes do zero. Viu Jesus, Mike Tyson, a vilã da novela das nove, o padre ousado, a tristeza da mãe, os olhos do mundo, os olhos do ex-amor, os olhos do cão amigo falecido em 2007, o terror, a bênção, a confiança e o pensar travado. Viu a cegueira que tanto faz agir sem, aparentemente, pensar, refletir, ponderar, pesar. Mas só aparentemente. O buraco em cada um de nós é sempre mais embaixo, ninguém se sabe.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Lendo Pessoa, lamento ao fone, questões de amores

Não é preciso, amor meu, temer o fim. Não há que temer, ao menos não mais que o próprio durante de nosso encontro. Não há que falar de medos, não há que cultivar. Tudo o que tivemos até hoje não foi um mero caso de amor, mais longe foi, pelo simples fato do não se falar de amores, mas de escolher vivê-los. Escolhamos, portanto, o que nos há de fazer viver, o que nos há de direcionar além mares da fala, falado e vivido amor meu.

Um dia Sarah

Vem sorrateira, mansamente, sorriso quieto que é todo dizeres. Quanta vida. Senta em meu colo, se aconchega em mim e me conforta no meio desse nevoeiro em que tudo se fez. Que tudo é. Sai em silêncio, mãozinhas e sorrisos despedem-se deixando-me a calma, a pena e a fé.

Todo eu

o azedo, o amargo, o dolorido
o sozinho, o triste, o bobo alegre
todos eles me são
o fugir, o lutar, o querer
o cansaço, a busca, a espera
o contrário dos jogos de brincar
de oposto
todo eu: fatos

todo eu me tenho e me perco
na mais sombria e pactual
dor de cabeça dentro do peito
todo eu dores passadas e dores a vir
dores do hoje e vontade de dores de sempre
nunca serem
enquanto, ao mesmo tempo distante
as busco

todo eu uma poesia infinita e intuitiva da vida
todo eu intuição que não sabe
arrependeres a conversar com vontade do bis
todo eu sou todo eu
inteiro

a sentir cada fala do corpo,
todo eu sou meu corpo
e meu corpo
é alma.

O Fórum de Barra Bonita

matei algo em mim
há um velório aqui dentro
uma canção de êxito, início e indefinição
uma canção de amor e morte
terror e arte.

matei algo em mim
todos se vão um dia
e o que fica é uma dor
que chega, assim como nós,
pronta pra ir, um dia.

as noites intermináveis que duram três dias
a festa daquele filme de Buñuel
a dieta, o romance, o amor sem fim
parece que também tem fim
até o meu juízo, algo tão raro
e minha ironia
se vão
um dia.

Paixões, vícios, paixões

Às vezes o já esperado pode não ser tão sem graça quanto a surpresa. Muitas vezes assim, muitas outras o contrário. Muitas vezes nos pegam do nada e pra longe nos jogam. Um tranquilo e prosaico ato de fuga nos lança ao léu, ao léu. E a cabeça, tão acostumada a sustos, pressões e horrores, trabalhar vai num escuro novo. Uma nova visão embaçada conversa com os olhos cientes, conscientes, vorazes. Libertinos conservadores com sede de mais. As paixões. O que são tão somente as paixões?

Uma pergunta

medo de escrever, falar, viver
olhar pros outros que me esperam
desferir a fúria ou a calma
não parece ser
simples questão de escolha
desferir a ação terminal
dentro de mim
alucinar sozinho
medo de dormir, medo de acordar
medo de olhar no rosto da mãe, da irmã, do patrão
medo de encontrar um total desconhecido no espelho
medo do medo a surgir
dentro do peito um canto nem fúnebre nem festa
o mais sofrido, ao menos olhando assim, agora, daqui de onde estou
é não saber de mim
muito medo de não saber de mim
por não saber de mim.

sábado, 3 de agosto de 2013

O choro

o choro do trágico, o choro da perda
o choro miséria, inveja, discórdia
o choro por não se saber quem é
e não se admitir tão qual 
quando tão claro está
o choro que faz rever fazeres, que faz fazer
o choro por não fazer
o choro do medo da indecisão sobre o que decidido está
o choro que mostra, liberta, castra
que não se permite olhar
o choro alívio e o choro que não, não se entende pra que serviu
o choro da taça erguida, da dor doída do tombo que fez se erguer
o choro graças a deus

de deus todo choro vem, o choro que é deus você
virão como sempre os mesmos, os outros e os outros novos
aquele que sempre vem
por tudo que sempre sou
o choro que é todo bem.

sábado, 20 de julho de 2013

Meu Caro

É porque a vida não é fácil, meu filho.
Se quer saber, procure saber
por onde andou nas últimas três noites
durante os últimos quatro meses
em sua terra natal.
Também no centro velho
das outras por onde passou.
Pergunte por você nas últimas noites:
o que fez, quem beijou, onde mijou
e o quanto
mijou-se.
À conta da álgebra do quíntuplo múltiplo
acrescente seis vidas:
sua mãe, seu irmão, sua filha, a puta escondida,
você e o laranja
(aquele bêbado cujos trabalhos você se utiliza
para ser superior.
Mais forte.
Doutor.
Sabido.
IN-CÓ-LU-ME.
Perfeito.)

Perceberá possível
não ser
qualquer matéria
de risco,
sorte,
chute.
Calcular-se, então, talvez,
onde está e
resolver-se com certeza
pra onde ir
será não impossível,
será
tão
patético
quanto aquilo do que fugimos,
através dos dois lados que julgamos os únicos,
todos os dias.

E o quanto dos sonhos
não serão seus,
nem de outros,
mas te habitarão.
E entre dormir
e ficar em claro,
estará no meio do sono
tendo as conversas mais absurdas,
de tão esperadas,
com atrizes de novelas
lhe parecendo familiares
preocupados
com sua
hemorroida,
com seu
refluxo,
com sua
homossexualidade
indefinida.
Ou simplesmente lhe parecendo
sua mãe.

Num quarto ou num banheiro escuro,
trave aquele papo mais franco possível
consigo mesmo
e perceberá
franqueza não haver no mundo
sobre suas mentiras, verdades e
não-verdades
(aquelas que não chama
nem mentira nem verdade, aquelas que nome
não dá.)

Estamos aprendendo.
Simplesmente
aprendendo.

De uns poucos segundos com Sandro

Que presta o abutre tributo ao pútrido.
Que para, emperra, empurra ao espasmo
do erro do eu doente 
na fuga fátua, infinda, infame. Instala-se em nós,
em tudo de tudo que tanto teimamos em ter.
Os temas de toda toada que vão e vêm,
perfazem, desfazem, refazem vidas.
É a vida,
meu bem.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Dois traços

Sóis e sombras dividem a mesma rua.
Carros importados, importantes escolhas.
Os abrires mão sem fechar os olhos.
Indizíveis pesares pagam tudo
o que és.
Não há de restar deveres
consigo.

Paisagens rasgam-me.
Absorvo-me em ti que,
dentro de mim,
me és.
Deus, amor, equilíbrio, sorte, surto, infortúnio:
balcão da vida.
E a pena a traçar serenas
linhas.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Sobre as coisas tão belas

Havia quatro garrafas de conhaque vazias debaixo do banco em frente ao bar fechado. Lindos olhos e curiosos olhares de crianças pobres dentro do ônibus a me levar. Faço de novo o único caminho que sei. Ao levantar-me, piso no pé do passageiro de trás. Não responde ao meu pedido de desculpas, responderia, talvez, a um xingamento. Eu mesmo, muitas vezes, nem a isto respondo. Abro o portão. Minha mãe foge com o cigarro nas mãos. Minha casa fede a cigarro e música chata e velha de novela repetida. No entanto, não sou um roqueiro a lhe ensinar o que é música boa, não tenho essa pretensão, talvez não a tive nem mesmo quando achei que tinha. A vida é bela, meu irmão. Vamos encher as garrafas.

terça-feira, 25 de junho de 2013

No tempo do clic do som (ou Nossa música)

Tudo é música. O tempo do clic do mouse o tempo da tecla o tempo que espera e respira e espera de novo a resposta que vem a resposta que falta que sobra digita e não mandas. Tudo na mente e no gesto da gente está e soa e canta e fala a música. Somos insaciavelmente musicais. Chega a doer os ouvidos. E a gente não cansa. Um, dois... um, dois, três, vai!!!

Sensação

Sensações, a vida que é feita de sensações. Parece que sempre algo falta, ou, quando nas raras vezes em que assim não ocorre, somos surpreendidos pelo frio na barriga vindo do medo do fim. Mais ou menos aquela mesma sensação que nos toma de assalto quando fazemos as contas do mês e sobra grana. Sobra grana e certeza de que esquecemos de alguma delicadeza nada delicada somar. Também assim na vida: acostumamo-nos a subtrair. Subtrai-se amor do amor da mulher amada. Subtrai-se nosso poder de entrega. Subtrai-se a confiança para sermos o que somos. Subtrai-se a segurança em passos pelo terreno desconhecido, a mesma segurança pela atração despertada. Meu medo maior, hoje, ao traçar estas linhas, é de que seja tarde demais. Mas isso é como tantas vezes outras. Talvez, mais que isso, um medo do próximo medo e dos anos que decorrem imparciais. Ao mesmo tempo se sabe de um jeito já todo particular que, eternizado, por si só, nos deve servir de orgulho. Ainda assim esse medo. Sensações, a vida que é feita de sensações.

Hoje

E nem te chamo mais por nosso nome.
Nem mais sozinho aqui comigo.
E olha que não se faz nem poucos dez anos
que, passados,
nos deixaram
este cheiro, este gosto, esta cor, esta lembrança
de nada
que é tudo.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Alento

Em francês, cantou em francês pra mim.
Nunca me havia cantado.
Talvez, quem sabe, nem só, não sei...
Mas naquela noite, uma noite cinzenta
do inverno europeu,
ela cantou em francês pra mim.
E afirmou, entre sorrisos e desprazeres clássicos das canções,
que não, não se arrependia de nada.

Samba, morena

Samba na pele, samba no pé.
Samba em meu peito seu samba, morena.
Samba a dor que retumba, o jeito, morena, que induz.
Samba o sentido que diz
que, longe de mim, ó, morena,
um samba de toda dor que é o samba,
morena, seu samba
traduz.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Da água pro vinho

Cruzou com Caetano Veloso às cinco da matina na Avenida Paulista
Jogou dados, cartas, búzios, foi ao terapeuta
Cruzou os braços pra pensar
Parou, olhou
Parei, olhei
Bebeu
Cantou
Dançou
Comeu, comemos nós
Do bom e do melhor
Rua Augusta, sirene de polícia, sexo, revolução
Deus e o Diabo
Clamou, clamei
Marvin Gaye, Cazuza, Bukowski não sou eu
Alegria sonora, estridente
Alegria alegria
Intertextualizou a própria obra
Um mantra do mantra do mantra
Choro preso vendo Gal
Porque as coisas nunca são as mesmas
Não, não são iguais
As coisas podem até se repetir
Mas não, as coisas nunca são iguais
Choro preso
Não chorou, não chorei
Nem lá, nem cá
No que se faz por onde?
E segue.

sábado, 8 de junho de 2013

Todas as cartas de amor são ridículas

É um moço regrado, medido, os passos que a cada dia mais e mais se firmam indicam seu bom caminhar, toda segurança, noção e um alto poder de concentração, despertar. Dá gosto de ver!
São boas notas, semestre quase fechado, férias do trampo e, então, todo o tempo, quase todo o espaço e muito boa cabeça pra inda melhor entreter-se, ainda mais despertar. É sempre mais trabalhar!

Um sábado à tarde. Depois da aula um café. Encontra amigos, conversa de coisas, percalços da vida, tudo estruturado: um moço todo articulado. Vai pagar a conta, passar na escola de som, pegar de volta a viola e a tudo de mais produtivo se dar.

Quando, tipo, lá fora ela passa, parece que tudo se vai, se escoa, se esquece. Nem rosto deu tempo de ver, foi bem, assim, já foi. Cabelo vermelho, andar de moleca, boneca, tão ela que desestrutura e tudo se perde, tudo se insegura, os passos em si titubeiam, vem frio na barriga, desconcentração. Já era, já era, já era.
Perdeu, meu irmão!

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Hã?

Tudo, pra que tudo?
Cada, pra que cada?
Em que cabe? Pra que é?
Pra que é que cabe onde?
Onde? Pra onde?
E pra que vai?
Pra que a fala, ponto que interroga sempre?
Sempre, pra que sempre?
Pra que, pra que, pra que?
Caralho.

Café

Pelas portas envidraçadas da memória recente, velha e viva da vida e do café que de camarote me servem para assistir-me nos seres e coisas; no inusitado insight das coisas.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A não saber o quê

I
Não sei de mim.
Mesmo quando lembro 
do que fiz, como fiz, 
por que e por onde pensei
pra chegar a fazer,
não lembro ao certo.
Porque também não sabia ali, ao fazer.

De mim sou nada.
Nem parente distante, nem amigo íntimo.
Eu não tenho ideia 
nem da vaga ideia
da chance que tenho 
em ser o que não sei.
Eu não tenho a mais vaga ideia
da mínima vontade
ser mínima, ou não ser, 
ou se, quem sabe,
talvez só ainda não seja
descoberta, ou redescoberta,
a vontade em mim
de alguma coisa eu ser.

II
Eu não sei se me preocupo
em com algo preocupar-me.
E, se me preocupo,
nunca sei o quanto devo
me preocupar.
Eu não sei o quanto devo
elevar meu rosto e meu pensar
de modo a ficar,
de cara pro vento,
disponível.
Ou, de cara pro vento,
livre.
Eu não sei o que pensar sobre o que pode
e não pode
ser
livre.
É tanta gente, são tantos livros, e poetas,
e discursos,
que eu não sei
o quanto vale sua dose de mentira
ou o quanto deve haver verdade em mim
para que, assim, seja
indiscutível dogma meu.
E eu fico puto quando, então, assim percebo
o quanto preso
eu sou a tudo que não sou 
e não entendo,
o quanto faço questão
de não ser
livre.
Penso
e fico mais preso.

III
Eu não sei o que pode ser
chamado por mim,
diante de tão dogmáticas maneiras de se quebrar
um dogma,
de liberdade.

IV
Fala alto dentro do meu peito
essa imensa mania - chega a ser crença,
de alguém que, com o tempo,
de repente cético se percebe,
de em tudo querer dar cabo
com uma única imaginação,
tantos sonhos
e nenhuma ação.

V
Não entendo o texto,
tão menos os adendos
e observações
que faz o leitor
anterior a mim.
Pra mim é triste sina
não saber por onde veio
a folha de pagamento, a nota de um real ou dólar,
e tão menos entender
de tudo que tanto entendem.
E eu não sei conversar.

domingo, 12 de maio de 2013

A não saber


Leio a não saber o que

ou para quê.

Leio a imensidão que sou

e a que não sou.

Leio o vazio que fala e o entendendo nada.

Porque entendo nada,

ou porque algo preciso dizer que faço.

E é nem feio o nada, o fazer nada.

Leio porque sou nada.



Chamo porque preciso entender por onde

me falam rastros.

Chamo porque preciso me achar em outrem

e por contente.

Chamo por precisar de algo

ou de alguém.

Chamo por medo de me esquecer.

Somente assim

me chamo.



Falo, não falo, ouço.

Olho por onde vim.

Busco por passos que, vacilantes,

falam de coisas minhas.

Fazem tudo que é meu

cheio de toda fé.

Debruça-se e acalma a mim

o meu silêncio: existir.

Olhe por onde anda, não olhe tanto!”

Precipitada e calma criança

eu sou.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Para cada medida sua dose de sangue sujo


Nada é sujo. Pois que, ao contrário
tudo é.
E não me venhas dizer que para tudo
se deva particular olhar: eu também acho.
Mas não me digas que se deva, em cada coisa
achar sua medida: eu não discordo.
E necessito, como tu, de cada uma.
Pois que então, irmão, cada medida é parte desse todo.
Tão falsa, tão porca

e limpa.

sábado, 27 de abril de 2013

Riqueza


riqueza descobre-se. e se desdobra
transforma-se.
riqueza reflete, e fala, berra
resiste.
riqueza se entrega, permite
já que em nenhum outro canto qualquer
qual forma, que escolhida 
ou não,
se possa outra fazer.
riqueza que és, me existe.

sábado, 20 de abril de 2013

Madrugada na gente

Ainda é madrugada. Baixinho zumbido faz-se ouvir em meu quarto, 
em meu eu no meu peito.
Em meu âmago algo de meu me contempla,
um zumbido baixinho, ainda de madrugada.

Ainda é madrugada,
o frio grita à janela e o frio de meu peito em meu eu de meu âmago muito reclama.
Quer dizer que não, também diz que sim.
Ainda é madrugada, e um zumbido me chama.

Aquela poltrona ainda não está vazia, me sento.
Ainda há o cheiro, o rastro que não pôde o tempo seu passo fazer esquecer.
Bons dias recebem-me querendo se dar, uns mais, outros menos, 
uns outros ainda nem isso.

Ainda é madrugada; tudo é pele, é osso, 
são olhos murchos e incerta direção;
mas tudo é.
Já já amanhece.

domingo, 24 de março de 2013

Considerações do agora e do daqui a pouco (Ou Stand By)


O que é pior torna-se o que de melhor eu poderia ter me feito: o que há de maior no mal que me fiz foi justamente o ponto por onde pude começar, o único possível, o ponto tenebroso, o das atrocidades. Uma pena é a sempre real possibilidade de tudo estragar, e, então, o que nos transparecer, de início, como sendo a maior catástrofe, esse tudo estragar, na realidade se mostrará como o que de melhor eu poderia me fazer: o que há de maior no mal que me farei será justamente o ponto por onde começar poderei.

sábado, 16 de março de 2013

Mesmas considerações


A mesma briga na mesma festa sem cor. A mesma falta de cor.
A mesma falta de espaço na mesma dor do mesmo peito cansado.
Uma vez novamente em casa, a mesma pole position no mesmo novo início de temporada.
A mesma madrugada?
É sempre um novo mesmo. É covarde, desigual.
O mesmo craque do campeonato, a mesma pedra de crack.
A mesma piada num mesmo novo nada, é sempre de novo mesmo.

Febre de verão, calor de vida dorida na moleira.
É sempre um novo bocado das mesmas incertezas e delícias.
É sempre muita inveja de todo pensamento e falta de.
É muito orgulho teimoso em me ser.
Opaco. Parado. Judio no meio do mesmo nada que vejo.
E, no entanto, esse medo constante de nada mais ver.

Tempo de chuva, sinfonia brincante por dentro.
Passos leves a me perceber.
A falta do que há, a insatisfação, 
o jeito meu de sentir você. Palavra roubada da canção.
Arte velha da repetição dentro da gente.

O que não se consegue ser sem criar.
O que não se sabe dizer ao sentir.
Os mesmos versos do mesmo coração selvagem.
O mesmo tempo de chuva
dentro
dele.


domingo, 10 de março de 2013

Literatura


A literatura que transfigura o real. 
O real petrificado poesia.
A poesia dos dias na poesia das linhas. 
A verdade, sabida verdade na vida, 
delicadamente me mente.
Mas não, não me convence:
finge fingir que é dor
a dor que, tão sábia,
consente.

sábado, 9 de março de 2013

O amanhecer de toda uma vida


Abre os olhos. Tira a dentadura.
Lava o rosto, põe a máscara e se deixa.
Curte uma nova paixão,
reinventa a dor de ser só.
Passa a maionese no pão, toma o café, bate o papo;
quebra a cabeça à luz do dia.
Pode ser a praia, pode ser o escritório.
Põe os óculos, a lente de contato. Reflete a luz dos olhos do mundo em si.
E, nele, se faz.

Madeleine


Ela andava fumando mais que Bukowski e aquele personagem de Cássio Gabus Mendes em Nelson Rodrigues e também o próprio Nelson Rodrigues. Madeleine esquivava-se, debatia-se, contorcia-se, puxava e esticava os culhões da porra daquela paixão cansada e vadia. Madeleine enveredava pelos tortuosos caminhos do silêncio e da dor contida para tentar se achar, mas só se perdia mais, pois quando abria a porra daquela boca só merda saía. Madeleine não falava coisa com coisa quando tentava falar. E tudo o que pensava era tudo o que sabia e tudo o que sabia prometia ser de uma perfeição e clareza tão irretocáveis quanto as unhas bem cuidadas. Mas se mostrava mesmo era tão assustador quanto sua feição insana e tão podre quanto as frutas abandonadas na mesa, compradas num momento de fé. Madeleine era bela. Madeleine era feia também. Madeleine era tudo que Madeleine sempre quis ser, mas tão mal se fazia. Madeleine andava confusa, mais do que sempre. Madeleine sentia tanto medo à flor da pele que queria da pele arrancar o medo com as unhas. As unhas já não mais tão belas e bem cuidadas. Até hoje me lembro do dia em que Madeleine me olhou com aqueles olhinhos tão tristes e cansados dela e de mim e de tanto amor por ela e por mim e por nós e me disse: você é uma pessoa bacana, talvez a única no mundo com alguma chance de me compreender, e há de me respeitar. Madeleine vive até hoje em mim.

Carpe diem


Força a piada na dor.
Mente a sensação
pra virar real.
Faz chover.

Muda o curso do rio de sangue.
Superman, muda a órbita da terra,
perde o prumo
e se encontra.

Marca a página,
perde o livro,
abre um novo,
se relê.

Perde hora, 
chega antes,
joga o tempo fora,
se planeja.

Cuida de si,
se maltrata,
e tudo é
o mesmo isso.

Só ele é que se sabe.
E nem.

Dentro do peito


aflição
manda em mim
sobrepuja
sobrepõe-se
observa-me
acompanha-me
(sobretudo acompanha-me)
até que
embora
vai
e
pra outra
dá lugar

Viagem


Das fraquezas e convicções mais extremadas.
Das angústias, aflições e alegrias.
De sua falta de rumo
para então próximos dias.
De quaisquer alívios e agravantes,
toda e qualquer saída.
De qualquer viagem
pra qualquer lugar,
nada, nada, há de levar
para onde, tão somente,
na labiríntica caixa do pensamento 
há.

reza


quando o tempo é escuro
quando a coisa tá braba
quando você tá fraco
e no outro dia mais fraco
quando falta uma mão
e você escolhe
o chão
o feio
o pobre
o caminho mais duro
quando você tá caindo
caindo
caindo
ai, meu deus
quando você chama
por Deus

Insistir


E se então pudesse parar... pra voltar só um pouquinho depois. Se pudesse pausar essa insensatez que é ser. Mas você não morre, você é duro, José. E continua a viciar-se em você e não você, em se apaixonar, escrever para eles para querer se ver, continua a depender de nada que é seu, de tudo que cansa, continua a correr, jura que quer chegar. Quer mais uma chance de não sei o quê: o último beijo, o último gole, a última gota de qualquer besteira. É qualquer besteira.

É tudo uma questão de não sei o quê


Quem sabe do que ele fala nem mesmo lhe olha de frente. Meu amor é uma faca de dois gumes, diz. Ridículo ridículo ridículo, ela retruca. João e Maria, de Chico; Todos elas - e seus pares - juntas num só ser, com Lenine. Toda exposição àquela balela de sentimento. O ocaso dos tempos para quais novos tempos? Os dinossauros da Terra ou os vagalumes da infância ou a esperança? A esperança não, a esperança não morre jamais.

Só dentro da tela

Mas é tanto que ele a queria mais perto, para tão além daquele quadrado preto. É tanto que a sente pertinho que muito bom seria tê-la pertinho. Talvez seja a maior distância do mundo entre pessoas tão próximas assim. Ele já a conquistou, já a decepcionou, se desmistificando então. Já mostrou-se tão firme, tão fraco e estúpido. Ela dele tanto sabe e dele nada sabe. Ele chega a sentir seu cheiro. É tanto amor, meu deus. E eles meio que já se largaram..

Não resolveu


Não resolveu, tudo aquilo não resolveu. Teve que ter mais desespero, mais sangue, bem mais dor. Não resolveu, tudo aquilo parecia muito mas tão pouco era. E agora é preciso todo o cuidado do mundo para que esse agora não pouco de novo seja pela manhã, amanhã. Pra que aí então se olhe e se perceba pra de novo se dizer ao concluir: não resolveu.

O menino, o pai, o doutor e a bola

O menino, o pai, o doutor e a bola


Sonhava ser jogador de futebol. E, nada novo para quem ali frequentava, estava entre os que mais se destacavam. Toque fácil, molejo, malandragem e habilidade foras de série enchiam os olhos até mesmo dos meninos maiores que, demorou nada, o chamaram para integrar o time dos grandões no treino mais duro dos domingos pela manhã. Começou a chamar a atenção de gente séria que lidava com o esporte  e vinha observar a molecada na busca por um possível novo Neymar. Foram conversar com o pai. O pai já havia tentado, tempos atrás, a vida na carreira futebolística, não vingou, tornou-se ginecologista, e queria o menino doutor. Mandou o menino pro quarto, dispensou a galera da bola e foi ter com o filho mais tarde. O pai era um grande espelho pro filho, e o filho, apesar da grande paixão pelo esporte, nutria uma ainda maior pelo pai. O pai não titubeou, foi enfático, contundente. Mesmo sabendo de uma maior afinidade do menino com o futebol, foi firme em seus argumentos, falando do curto tempo de vida útil de um jogador e também das reais possibilidades do "dar certo" em cada uma das empreitadas, ainda mais considerando a já tão grande proximidade com a profissão de médico, o poder aquisitivo para os estudos - algo que muita gente que sonhava com a área não tinha e que ele, o filho, deveria agradecer muito por ter - os contatos e, principalmente, o status social intelectualmente tão acima. O filho não fez um teste sequer, não foi mais aos treinos, largou a bola e embrenhou-se nos cadernos de medicina. Como jogador eu não soube, e, aos poucos, ninguém mais pensou nisso também. Como doutor, se saiu bem, o menino. Nada de fenomenal, um profissional do setor público que cumpre seus horários regularmente, só às vezes deixando um ou outro paciente na mão por algum mau humor proveniente de não sei onde ou o quê. Nota-se também, em intervalos ou mesmo durante alguma cirurgia, grande dispersão de sua atenção e uma tristeza no semblante. Considerando seu status, sua condição financeira, estabilidade e tamanha paixão pelo ofício, não vejo motivo pra tanto. Alguns dizem que, olhando um pouco mais atentamente ali pro fundinho de seus olhos, percebe-se ainda um menino correndo pelos imensos gramados da vida, uma outra vida, com um imenso brilho no olhar.

Passou o dia rezando, procurando por si. Ficou falando de medos, lembrando o tanto que ajudam. Fez contas pesando só contras, chorar não chorou, repartiu o pão que o diabo deu com suas folhas ecologicamente corretas. Respirando torto, um pouco mais que de costume, conferiu no peito a perfuração, a profundidade da dor inquieta, da dúvida, da amnésia e da lembrança que bem poderia não ter. Deitou-se. Levantou. Deitou-se. Levantou. Deitou-se. Levantou. Andou andou andou. Incrível como nunca é possível parar.

domingo, 13 de janeiro de 2013

escrever: expor-se, atirar-se
oferecer-se ao ridículo
confessar-se 
escrever é o porre-pós-porre
admitir-se isto; tão relesmente: isto.
induzido o tempo todo a mentir
ou calar
obrigado a vida toda a conter
a pesar

pra viver
Numa noite assim tão linda
deviam ser proibidos por lei
a incerteza, a tristeza, o cansaço
de qualquer pensamento
porém a lei humana
a poesia dos dias não lesa
e o que se contradiz
entre as belezas e mazelas
é o que faz a mesma poesia da noite
maldita, perdida e sofrida
também assim
tão bela.