segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Chuva

Roupa passada, comida, banho e colchão
Carro novo ali na garagem
Senta, equilibra a fome das coisas
Resiste, todo dia, à falência múltipla dos órgãos
Se compara, o barato, ao caro
De todo dia
Resiste, dia sim, dia sim
À falência múltipla dos órgãos.
Eu sigo
Cansado, novo de novo e pronto
Para qualquer desajuste outro
Próximas quedas da bolsa
Já que todo dia
Se fizer chuva, eu chovo
E a gente segue junto, dia sim, outro dia
Na cadência das cores novas
Ou não
No embalo do amor e dor
Coração, sangue e louvor
Louvando
A vida.
...e morro todo dia
Para louvar, outra vez
A vida.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Poema incoerente

Maltrate as incertezas e certezas
Esqueça de tirar todas as provas
Cancele os compromissos de hoje cedo
Desfaça as ilusões que conquistou
Copie o vagabundo que te enfada
Inveje e seja o outro que cobiça
Retorne como queira ou fique longe.

Postre-se, então, ao lado do caixão
do eterno santo pai
De ouro o aconchegar-se à bendita prostração;
No esquecer-se, o não ser.
Não seja. Não seje. Se deixe ser, se deixe.
Um malacabado que nada começa não carece qualquer prece, fé, luta ou esperança
A própria esperança liberta
Sem necessidade de ser
É que somos; preguiçosos.

Um cão vadio sem saber da possibilidade de donos
Ou da existência de cães sem dono.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Muito mais que as pingas que toma
Visto também nos tombos que leva
O ultraje, a catarse, o renascimento
Fazendo das poças de lama água benta
Santa, serena
A purificação, o trabalho pro pão
E cerveja do dia seguinte

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Parece um bicho que estava esperando, à espreita,
A presa acordar
Você, acordando, sabia
Que estava, o bicho, a espreitar:
Sacia a sede do bicho, 
Aceita o jantar.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Doença de meu desejo

O que é querer
Se não doença?
O que não basta
Cronicamente
Incompleto
Quer o impossível
E então maltrata
sua impotência.

O que é poder
Se não desejo?
É inviável
julgar quereres
Assim passando
a ser então
Doença.
O que é doença
Se não desejo?
A culpa nossa
Tão clara
desenfreada
a culpa
E dissimulação.
O que não tudo
Se não desejos
e doenças?

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Essas coisas tão escritas

Li errado então teu verbo
A frase preferia ser assim
Não por isso me perdestes em ti
Tão boa a encenação
(Então li certo)
Penso, penso e penso tanto
E na verdade não importa (nada importa)
Quem é o ator, ou farsa
Desprende-se de mim qualquer ser não inventado
Quero mais que um simples novo amor molhado
Acho querer mesmo um clima falso
Falso encanto, Falsos olhos verdes, Falsos transtormares em mim
(Essa chuva que não passa)
E a rima. E a palavra. E a métrica certa que outra vez não inventada,
não foi, foi não em mim
Você é tudo o que eu não posso e posso ser
E nós, assim, crianças. Eternamente crianças a olhar e crer
(Ou fingir)
Por entre os risos e malabares ao ocaso de outra tarde
De outro dia
Outro sonho
Desenha-se ao pôr do sol nossos corpos juntos
Lado a lado, num abraço, silhuetas no vermelho-laranja
azul-caramelo
Parece, assim, isso, valer mais
Um sonho
Outras brisas de encanto leve
Se perdendo e precedendo o amor maior
Que nunca saberei
existir.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Da vida emana a melodia
Da vida
A música que se faz no vento, nos verdes pássaros
De dentro
Na esperança de nada sobre nada
Faz-se a poesia

Um café no Boulevard imaginado pós a aula não havida
E o som dos passos
O desaviso na dança das velocidades dos carros
Uma só dança, todos bailarinas sem ensaio
E perfeito
No som dos tempos
Outonos de outros carnavais

Perfeitas bailarinas no ensaio que é sempre
O dom dos tempos todos
No hoje
As mesmas chances para os mesmos seres
Perfeitos na imperfeição que é ser
Um mesmo ser
Os carros


E o moço da mesa ao lado 
Que chora alegre as mágoas do dinheiro alheio
Não espanta mais a melodia das horas
Pois é bailarina também.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Na praça Na praça

Na praça
Sempre de volta
Na praça
Eu sou o mesmo
Na praça
O fim do dia
Orgulho
Do resolvido
Na praça
Já se resolve
Na praça
De todo gosto
Na praça
Novos sabores
No mesmo
Cigarro pobre
Na praça
Tudo são cores
Na praça
Estou sem volta
Na praça
E rodeado
Do nada
Que é quase um todo
E o mesmo
cigarro pobre
Na praça
É sempre um novo
Escuto
O irresolvido
Na praça
Definitivo
Na praça
Me volto sempre
Na praça
Que sempre volta
Na praça
As ampulhetas
E esteiras
De meu descanso
A ver
parado, o tempo
Na praça
A não passar
Na praça
Que sempre volta
Na praça
Que sempre estou

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Faço várias de outras vozes pra fazer
Pessimismo em mim vontade
Volta e meia tento e faço o me esconder
Lutas tantas são precisas
Qualquer hora em que me encontro posso ser
Outros, e outros, e outros mesmo
Quando passo a ouvir os outros
Perceber
Errando-me outra vez...

Sou acontecimentos, sou prazeres, sou vontade
Todo errado...
Todo errado, sou Das Dores, Zé Ninguém
Um covarde
E então me entendo, sou, nas chances, perceber:
Chances para sempre
Para todo o sempre
Pois sou mundo...

Não disfarço quando posso embrutecer
Dores tantas
Lutas tantas, mil disfarces sem me ter
Todo outonos
Não se quer, não, não se quer
Tanto quer...
Quantas dores, quantas coisas
Tantos nãos...

Mas não!, não, não se guarde tanto assim
Nem se ache
Não me ache onde não sou
Pois nada somos
Apenas queira perceber
Somos olimpo
Em mim, em mim, em mim
Um outro olimpo...

E faço várias de outras perdas pra fazer
Ao longo dos tempos
Tempos e outros tempos, mesmo tempo...

Do Existencialismo
Otimismo meu.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Quando a infelicitude
Bate
Não é por ser mais 
Ou menos
Feliz ali
É porque, pois, a infelicitude bateu
(só.)
Ali
E ali.
Onde pensamento algum alcança
E onde pensamento algum alcança
É que está a infelicitude
Onde qualquer que seja
O feliz homem
Em que sua infeliz alma
Ou em qualquer outro momento outrora
Descansa
E quanto mais e mais
Se cansa
Te cansa
E somos então, apenas
Infeliz ser
Aqui.

Normalidade

Problema é quando te revelas o humano em toda tua humanidade. A doçura e podridão. Quem te colocara, então, no inalcançável pedestal do doce ideal, alcança-te ao constatar-te reciprocamente amargo, para, tão somente, derrubar-te.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

autobiografia do mundo

escapa a gargalhada esperta
e não suporta
a besta que não crê no mundo
que a rodeia
o bom sujeito, o casal mal resolvido
joão sem braço
aleijado em incertezas
repleto de enganos prontos
desfeitos, metamorfoseados
vícios, solicitudes
paixão pronta
embaixo do travesseiro
amores novos sob a chuva a lhe escorrer
morrem antes do primeiro beijo
desmedidamente mata
o mais bonito em si
ineficaz
tudo o que se chama amor
todos os amores falsos
que são todos os amores dele.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Estereotipia

Invento Ser Poeta
Qual de mim o que não canta
Pessoa que não jorra
Nas estantes, nos ouvidos
Nos andaimes de meu ser

Invento o precipício
Qual não peca ao se cuidar?
Ao limar cada palavra
Velhas frases de seus dias:
O pecado

A bênção da palavra, a palavra
A bênção dela nela
Tarda assim o impessoar
A emoção obstinada do que somos
Obstinadamente...

O impressionar, O impessoar
Inventa o que não canta
Amoroso cada espanto, a cada espanto
E a cada espanto então me invento
E invento ser poeta...

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Olha a menina o malabares do moço: sorri.
Sem pecados nem culpa ou remorso, castigo...
Não vê dor, sofrimento.
Enxerga o que é e o que há.

Na beleza do fogo aquele que arde
É o que preza no sangue o sangrar.

Não vê dor que não age
No malabares do moço a menina...
Na arte vê arte da própria canção
Da trilha que Deus Natureza, ardiloso...

...de fundo nos serve.

domingo, 22 de março de 2015

malsã, lamas, barro. grosso barro!
Oco! Tédio! Parco!
e tudo o que é mais
inóspito a meus ouvidos, teu gesto
uma loucura que de súbito atravessa
os ares
a que me dou:
perfeitos espasmos, solto o grito
de ânsia, excitação
a vontade que é mal e santa glorifica
busco as flores, cores, rimas
paixão na covardia que é ter
que é fugir
de ter
inóspitos relógios, o tempo, o desagrado
busco os novos encantos no castigo
na sensação
de perda
tola salvação é o não ao que me basta
pois nada basta
tola e mesquinha insensatez
é o julgar-se todo, completo
sem as rusgas do imperfeito amor
santo eu, definho
mal que nos acolhe
perfeito
o imperfeito amor.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Dos achados (os sempres de todo o meu sempre)

Um vinho, um pôr do sol, um sol
E a vida tudo que é normal
Deixou-se nada, prosseguiu, buscou
O arrependimento não se basta
Diante dele, aquilo, sempre quis e teve
Não entendia a força do brutal
Apenas no que é, e é
Os nossos jogos naturais
Parou a espera, se arrependeu
De tanto que se arrependeu...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Canção de um pobre e desditoso infiel

Vontade de levar pra casa, pegar no colo, dar banho, carinhar, cuidar
Escrupulosos erros, maior ansiedade em ter você
Cair em desaviso e desvario, ser canção de amor longínquo
Ânsia em ser mais seu
E entender todo impossível sermos um
De qualquer um o ser...

Vontade de cuidar, meu sintoma de carência
A vida, inerente tortura de viver
Toda fome de tudo, todos

E de um mesmo amor você.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Diligências

Por onde vi que não berra teu sangue
Assim escapa a culpa do patrão
E faz do jogo a cinza que não jogas
No mar do morto as contas a pagar
Quem faz meu teu suplício que não negas?
Nem nunca vais negar, não vais negar.
És tolo esperto o jogo do culpado
É sempre a culpa o jogo a se jogar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Meu amor

Só penso em cerveja
Faróis que brilham, luz amarela
Isopor, camisinha, conserva
Mas era apenas um cone ao lado do homem descansando junto à obra em construção
Abstêmio ou não:
Paixão, vício, virtude
Razão.

Escrita

A pincelar nas paredes do bar
as obras do dia a dia
cerveja noite frio ressaca
sombras na alma da gente
ninguém viveria apenas de luz
e mais uma vez a sorte os sóis e nóis
dependendo apenas da sorte
dependendo apenas dos sóis
dependendo apenas de nóis.

Desalinho

Penso: desisto...
Já fiz!
Desafinei o contracanto que não era
Vez outra
Ao menos hoje não, não hoje, hoje não era...
Olho: insisto!
Vazio dentro do peito a judiar
Cansaço e pleno cores
Maior vontade a virtude descansa em mim
Dúbias e significantes
Fugazes como sempre o sempre a deslocar-se e se entregar
Vontades...
Por onde anda assim quebra teu gelo
E não desista de nós, meu canto.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Do instante outro

Que aquela outra canção combinou de novo
A mesma música de sempre serviu também
A tudo o que não somos
Ao tempo que queremos
Do qual distanciamos
Quereres meus
Mordazes, sagazes, úteis
Quereres teus
Que aquele amor saiu de casa a passear
Buscar vidas outras
Noutras vidas
Que não minhas
Sagazes, cruas, mais mordazes
Essenciais
À vida tua
Que a outra canção far-se-á mais bela
À farsa de todo dia
Que o nosso amor cantou vez outra
Outra vez mesma canção
De nós dentro
Do coração

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Me sinto dentro, faço parte
Esculachado um esculacho
De dentro em órbita um palhaço
Cantando em mim cada alçapão
Dança escorregadia
Caco de vidro ali no chão
Vem mais uma e outra orgia
Sacra, pura, dita santa
Rude e sacramental
Um epílogo que não finda
Um também meu ponto final.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

De flores, cacos, ossos e rojões (para um ano novo não situado no tempo)

Apagam-se outra vez as velhas luminárias
Fecham-se mesmas cortinas
Junto ao fim um novo meio
Descobrir de velhos seres escondidos
Um novo início
De nós

Pelo andar do tempo o velho se faz jovem
Sempre jovem o querer...
Isenta-se outra vez nossa loucura
Consubstanciada e esquecida
Ao florir de espumas e sorrisos
Reinventam-se canções

Substanciosa, antes talhada e seca face
A esperança que não morre
Outros novos velhos passos e percalços
Ditam rumos pro que somos
Cada um que descalçado, calejado, amante, amado e desalmado
Luzem noites

Cheio de desejos e incertezas
Todo exposto às tragédias e belezas
Nosso eu
À mercê de todo novo ano novo a nos salvar
De nós

E que prossigam os rojões
A beleza e o latido dos cães
Nosso cantar cortante e profundo
Na vicissitude, agonia
E convalescença
Dos séculos.