terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Perguntas também são poemas de amor

Acordar
Sentir
Ouvir
Sentir
Pressentir
Sentir
Perceber e confirmar
Discernir pra entender
Qual real dimensão de nós?
Qual sentir o meu sentir
Pra te sentir
Em mim?

De mares e gotas

Deguste as gotas
Que é pra sarar
É fim das dores
Cicatrizar
Deguste o gosto
O paladar
Cristais nas cores
Clarificar

Deguste, que é fim dos tempos
Remédio ao tédio
Trabalho árduo
Que logo é hora
De outra gota
Pulsando bolhas
Fervendo errante
A gota d'água
Um claro instante

Solidificando cada clara gota
de vida
Instável, errada, incerta, insípida e vazia
Toda gota cheia
de mares nós!
Os gostos...



segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Da morte na dor de alguém

No dolorido da dor de alguém
A morte
Solto no mundo nosso espetáculo
Da vida
Um choro
Livre, desregrado, dissoluto, desatado
Solta e prende na dor
A dor
De alguém

Adivinha a morte que há
Suspeita a cantada hora
A morte que é dor de alguém
Em vida
Aterra também na morte
Da vida
E sinto
Em minha sucinta dor
A dor a mais
De alguém

Alguém, no mundo...
Alguém na dor do mundo 
De alguém
Estranho, um estranho mundo
Chorando, prostrado à porta
As dores que sempre adentram
Não vejo, mas sinto a dor
De alguém

A dor se faz 
De casa
Invade, acovarda, a dor
Os lares
E as dores são dores todas
De um todo
Bem mais que apenas dor
de alguém...

Me vejo, pois, e sinto
Que chora a dor de alguém
Convulsa, doída, desordenada, dolorida
A dor, a dor de alguém
E alguém na dor de alguém

Morreu, nessa madrugada, um ser humano mais da vida
E eu sinto, vivo
Quase a ver
Em cada intercalado pranto 
De um pranto todo
Um brilho
Nas lágrimas que, espessas, gritam
Por perto ao longe, à porta
Na fala de quem me chora
Em vida
A morte

Na fala da vida a vida que chora a morte
De mais
Alguém.


quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Da manhã de chuva ao te perder

O brando silêncio da casa, enriquecido pelo som das águas que caem fora e ornado por cores rubras da baixa luz da sala à meia cortina e ao brilho mudo da T.V. de plasma, emoldura minha manhã sem ti. Desde que surgiste, primeira manhã esta, talvez, em que ouço o som do silêncio sem teu jeito, tua voz nas queixas, pedidos, ordens e avisos. Teus amores. Premeditado futuro nosso pode ser nada, eu sei, tanto que dizemos... Mas é ao fosco brilho desta calma manhã do último mês do ano, que antevejo tudo que sou. Que posso ser. Com ou sem tua companhia nos próximos anos, ou meses, dias, faz-se presente um barulho imenso aqui dentro, por cada segundo nosso. E a chuva que cai lá fora arrepia os pelos... Silêncio quase vida que, ora vida, tamanha luz em mim, ora tudo que é cada vez mais morte, dita o ritmo dos quereres. Branda, calma e quente, grita pulsante e leve, como tudo o que é vida no fluir das horas, tua presença em mim.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A conexão, A escravidão
A submissão à palavra, O desligamento
Do mundo qualquer
Que é qualquer mundo.
A inutilidade, A desordem
A dissociação de qualquer
Significado.
Somos.
E a palavra é toda ordem.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Às claras

Sobre os dias e noites dos ontens de sempre
Mentiras de sempre no início das noites
Clarão de meus olhos
A luz que se faz
Melodia incansante
Iminentes minutos meus
Que se fazem verdade
Revelam, à luz do dia
Meu eu.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Desamparo

que tamanho minha máscara 
minha cara
o meu desmascaramento
que tamanho o meu jeito descarado
que tamanho a inteireza
meu amor
que tamanho o que chamo meu amor

que tamanho minhas ruas, e vielas
minhas possibilidades, as idades...
que tamanho a cidade, meu país, meu mundo eu
que tamanho que é meu mundo dentro d'alma
meus destinos casuais
que tamanho meus fantasmas...

meus terrores, minha calma, toda minha exaltação
que tamanho a corrosão

que tamanho esta minha resistência pra ser forte, pra ser fortemente forte
pra ser tantos. tantos alimentos dar
que tamanho meus tamanhos, meus pequeninos tamanhos...

…e fica um desamparo, um desamparo...
fica um desamparo
sem tamanho
uma falta de mim
sem
igual
no mundo.

sábado, 22 de novembro de 2014

Sobre as noites de ontem

Observo o policial a olhar o mundo
A prender por entre risos esgueirados e sarcasmos
Qualquer minha segurança

Oh, Deus!, por onde andei nas últimas madrugadas
Que não percebi o quanto me
Espreitava
O olhar chato e o socorro
Da mente que não vinha?
A paranóia, a nóia
A paranóia delirante
De meus encontros com Deus
Meus ocasos, meus sóis confusos
Meus restos...
Minhas situações de amor.

E o que sou
se não meu próprio Deus
Meu cacique
Meu pobre poeta de olhos ora belos
Luminosos
Cheios de esperança
Ora lassos?
Sou parênteses...

Uma eterna explicação desnecessária
que sempre exigem de mim
Que sempre exijo
Que sempre penso exigir
Que sempre peço que exijam

O disco na vitrola fala em falso
A fala que não percebe a mentira
A fala que nada precede
Mente a sensação
Oh, tosca fala de Deus!!!
Parece mentir amor meu
Parece mentir
Parece amor meu

Sereno, nu, divertido, perene e cansado
No meio da rua
Em frente à viatura de polícia.



domingo, 9 de novembro de 2014

Palavra Explosão, o fio da arte

Minha arte é feita da palavra cansaço
Significando
Não cansaço solto, é arte.
A explosão nunca aceita
A não ser por parte minha
Mas parte. Apenas parte.
Muito mais que a metade
É Chama, Incêndio no Silêncio.
Vazio de incêndio solto.

Minha arte é frio no peito
No frio do peito
Já que na alma
A alma do corpo
Que fala
Brotam vontades mesmas
As mesmas vontades
Inteiras
Extremas
Explodo.

Minha arte é feita da palavra vontade
Que não se sabe
E não se sabe
Vontade
De quê.

Minha palavra metade é feita das mesmas vontades
Inteiras
Extremas.
Eu
me
explodo.

No outro dia, um filme pornô

Pois o sol lá continua
Não foi eu, graças a Deus
Que o fez parar de ser
Arrebentei todas as paredes
do peito, da alma, do gemido em mim, do silêncio
Arrebentei, nessa última noite,
o meu criado mudo
meu violão
Fiz calar essa fala que de nada serve
Já que prossigo a precisar
de algo que fale em mim
Morrerei na espera
Morrerei na espera
de um anjo salvador
de uma música nova
de uma mulher outra
de um relacionamento, um caso
de uma nova espera
Vivo a lapidar
e destruir
Arrebentei, nessa última noite,
meu criado mudo, meu violão
todas as paredes
ficaram
as janelas

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Chocalhos

O último acorde precede o fato real
O fato
De costas para o mar de aço
Mostra-se o futuro
Amostras de sangue sátiro
Sua piada pronta
Tristeza sem graça
Desinteressante
Seu showzinho de merda

Descalço perante o inevitável fracasso
Gritante acossado e cansado
Programando, o programado,
O próximo solene insano insosso passo
Sem graça
Uma canção pra ninguém

domingo, 19 de outubro de 2014

Sem compromisso

Macarronada de domingo.
Samba, cerveja, voz de Chico na molerinha doída e feliz:
O amor dos tempos áureos.
Saudade da infância, brincadeiras de sempre.
Do sempre.
Samba. Cerveja. Sinfonia gostosa de um domingo inteiro
Em nós.
A vida, uma canção de amor que não se sabe.
Que não acaba.
A vida, um domingo solto
No samba
Do tempo.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Who's afraid

Minha mente perfaz todos os caminhos que ainda esperam por meu coração. O corpo, hesitante em se entregar, receia os passos que hão de levar-lhe em busca do gozo e do trágico. Mas devora-me o invencível fascínio dos golpes da beleza alheia. Devo, dentro em breve, lançar-me novamente ao fogo do amor.

Na rodoviária

pendura as roupas no varal
em frente às pedras na varanda
o chão de espuma é seu poema
Surradas calças que, indolentemente, se encostam
no balcão do Fran's Café.

No câmpus

Vozes de uma tarde.
Os alunos conversam rindo por entre as árvores.
O canto, o som das árvores
a colorir o câmpus.
As árvores que colorem a tarde.
Uma linda tarde.
Os pássaros.
Os verdes.
A tarde.

Os passos da moça desenham meu escrever.
A tinta escorre pelo vão das veias
pulsantes
por poesia.

Rubem Alves

Sim-pli-ci-da-de.
Ge-nia-li-da-de.
(Ge-ni-a-li-da-de?):
o País dos Saberes.

Sílabas e rima.
Nasce pra mim no ano em que morre.
É vivo, pois.

Planta em mim a lógica do claro, do transparente,
suas árvores e flores.
Melhor caminho para o ato
de acreditar.

Na rodoviária

pendura as roupas no varal
em frente às pedras na varanda
o chão de espuma é seu poema
Surradas calças que, indolentemente, se encostam
no balcão do Fran's Café.

"Fran's"

“Catchup e maionese?”

Chove forte enquanto espero
viagem não sei se ida
ou volta.
Sempre a não saber, mesmo que certeza
(tudo sempre momentâneo).
Melhor assim, me cuido.
Presto-me a algo e desencano.

É posto sobre o prato
uns quilos mais de dissabores,
tormentos, amores
cheios de açúcar demais.
É posto um par de olhos
em meio a meu poema repetido.

“Maionese e catchup?”

“… e um cafezinho?”

domingo, 21 de setembro de 2014

Antes de findar a cena

Sai pelas portas do fundo
a estrela maior do espetáculo.
Palco de luz ainda acesa
distrai quem não nota, na cena,
falta alguma de brilho,
sobra alguma de espaço.

Entende, o obscuro da noite,
seu mais presente e devoto
parceiro de drama.
No drama que escreve
à luz perene da lua
percebe o enredo, escurece.
Fecha, atrás de si,
as cortinas.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Os meninos

Os meninos saíram e deixaram
uma fardinho de cerveja
um litro de vinho
meio litro de pinga
uma casa fechada
na qual não posso fumar
dentro
quando estão
por perto
na qual não posso fumar dentro
quando fora estão
mas os meninos sabem
não estão tão por fora assim quando saem
eles sabem
que se saírem
e deixarem
uma casa
com um fardinho
de cerveja
um litro
de vinho
meio litro
de pinga
e o maço de cigarro
que já tenho
encontrarão
a casa
daquele jeito
que não gostam de encontrar.
Esses meninos...

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Um poema

num dia, um deus
no outro, um bosta
carniça no esgoto do cérebro e coração de menino

um menino, um velho, uma moça bonita
num dia está mal
concebe o ser inacabado como algo de bom
no outro, tem medo do bom

um espasmo, um orgasmo
gorfada devolve os espectros
que somos
e
agregamos
ao gosto da vida
ao orgulho do espaço vazio que contém tudo aquilo que sendo não foi e nos deixa
permite algo mais
e mais
todos nós num hospício cristão, espiritualista
todos nós numa merda e delícia de peça tal qual bem ou mal encenada
tal qual peça alguma inventada

um orgasmo e outro cheiro de amor
e de fome
disforme
a falsa insatisfação
do ser que não somos
e deixamos tentar-nos de novo

impreciso sucesso
fugaz, melodramático, um drama, um poeta
torto e inacabado
as avessas do ocaso
e sempre um acaso
brincar de palavras
desculpa poética
brincar de palavras...

um gesto são e vão
do poeta dos sonhos que vão
uma peça, invenção, alegria e tristeza
do poeta dos sonhos que vão

um poema.

Ácido lático

uma overdose de riso
uma overdose de orgasmo
uma overdose de ácido
uma overdose de álcool
uma overdose de lágrima
eu sou o ácido lático

sou o que já deu, limite
e que, por isso, estabeleceu-se
eu sou o que se mantém
pelo seu próprio ser
(ácido lático, ácido lático)

eu sou o que aconteceu
tudo o que vem a ser
o choro bêbado
nas mãos do amigo bêbado
no instante em que ninguém mais vê
ninguém mais
se aguenta

as meninas vão-se embora
cachaça finge findar
o professor de esportes explica
o ácido lático, o ácido lático

e eu, só, no fim da noite só
ouço a ressonância:

ácido lático ácido lático...

Da cidade

o ouro, as vestes várias
da favela
que é meu mundo

transmutado em cocaína
nas todas paixões de carnaval
chuvas de verão
não mais.

passo a compor as cores a oferecer-se
num instante-melodia outra:
como muda a minha cara na cidade de São Paulo

a modernidade se mescla, a modernidade propriamente dita
se recicla
pelos meus tristes papéis sem tinta
tão presentes, ausentes de cor
a pintar-me um novo sete de setembro
novos números, meu show

aonde vai, como é que fica
por onde anda, Professor?
cura estranha...

nas filas inexistentes de hospitais
na falta de existir
o aborto
da morte.
uma pausa em semifusa no silêncio
e a volta daquele que não foi
não o deixaram ir

um filme em meu cérebro
imagens obtidas pela fotografia do olhar
em todo lugar
como muda a minha cara no espelho do elevador
da cidade de São Paulo.

domingo, 29 de junho de 2014

De grilos e sabores

Um grilo agoniza em meio ao passeio público no restaurante do mercado
Ao fundo, "Não deixe o samba morrer", discussões sobre pagamento de férias e feriados
Uma bandeira do Brasil ostenta amor à pátria
(Dia seguinte à classificação)
Ainda sinto um pouco de azia
Temor e presunção
Dor no corpo, sangue preso no pescoço
Os dias correm, o samba não se deixa morrer
E o grilo agoniza em meio ao passeio público no restaurante do mercado.
 

sábado, 28 de junho de 2014

Uma outra ode à Aflição

De um lado a outro do barulho de estilhaços no pensamento.
Não durmo. Não respiro. Não escrevo poesia.
Não morro. Não dou conta de viver assim.

De dentro da caixa dos olhares que me restam.
Olhos meus. Lassos, passivos e distraídos. Imperfeito eu.
O olhar a retribuir cada sentença.
Não me julgo, não me calo, não me morro. E morro sempre.
Toda dia nove morte.
Sou ourives. Sereia a se contorcer às portas do tédio. Debatendo-se no óleo raso de fritura suja.
Metais de lixo preciosos me têm a todo instante.
Não me ponho, não me exponho, não vivo, irresisto a mim, não existo. Não vivo, é tiro curto.
Mas não morro, e não resisto à vida que se arrisca.
A vida a brincar de morte.

Poeta tolo e cansado. O mais disposto.
Não me mostro, não me exponho, não me privo.
De nada, nada.
Deixo a mim o nada.
Legando o espaço físico imenso e vazio das caixas do pensar cheias de carroças vazias.
Um tom confessional que rege a orquestra dos dias.
Ó, dias. Ó frouxidão. Roleta russa maldita...
Eterna brincadeira de morte.
Mas não, não vivo.
Não durmo.
Escrevo poesias na madrugada.
Cansada madruga em meio ao eterno odor de cachaça, solidão, tédio e besteira.
Cansada madruga.

Não, não morro.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Romance

Encheu a cara de vida, de ar, azul tempestade
Encheu no poste a cara de felicidade
Encheu de dor, insônia, tristeza e verdade

Cara de pau, voltou pra ver:
perdeu a roupa e a vergonha,
perdeu o medo e a coragem;
perdeu vontade.

Nu, em paz com o vício, com a castidade;
liberto morreu
nas vestes velhas e sujas
de sua cansada cidade.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Na cidade

A intensidade
da cidade
que me fala
grita aos olhos
que reclama
nem disfarça
que proclama
justa farsa
e me inspira
que respira
junto ao peito
meu proveito
e sacro mártir
eu, escravo
nada peço
só confesso
o quanto peco
em seus belos
largos braços
e abraços
me despeço
me refaço
Na cidade.

Batida (ou No tempo do clic do som II)

A vida que é cheia de trilhas, e bocas, e caras e bocas, e pernas, mais pernas, e cochas, mais bocas. A vida, que é feito canção, todo tempo cantando, encantando, soltando a risada na cara, a vida que é tanto piada, e sarro na cara, e tanto, um atrás que é do outro, nos põe toda hora na mão do palhaço, do tonto por tão tonto e tonto que somos. A vida, que tanto, que tanto é bonita, é estranha, esquisita, é tão clara, que tão claramente nos fala e remete à medida do tão belamente ou horrível que fazemos dela, que nela mostramos e assim nos fazemos, e assim nos mostramos. Nós todos que tanto artista que somos na vida que tanto artista e arte que inspira nos chama. A vida que é chama que inflama.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Noites parcas

na noite parca, suspensa
após a noite de glória
tudo é silêncio, insano silêncio
ao longo de mim

na noite parca, suspensa
de mim ao longo que vago
tudo suspenso, suspenso
todo suspenso, eu vago
ao longo de mim

na noite parca, suspensa
após a noite de glória, a presa pensa
em si se afunda e confunde
funde o motor da mente

na noite parca, ante a confirmação de estado-resto, silêncio:
o breu que pressente
terminal estado
da mente

na noite parca e na noite parca e suspensa não possuo um só limite a fazer-me pensar
cada qual a seu modo: primeiro, nenhuma indagação
depois, todas as perguntas do mundo
(terminal estado da mente me vem)
inteiro pecados, não me arrependo
um feixe de condições lineares e repetidas se fecha
eu, fechado
condições redundam meu eu
(meu eu)
tudo é silêncio dentro da noite no escuro do breu da parca noite suspensa.

Nudez

no olhar do artista
artista criança que é
no olhar do artista a criança
e a criança que é

menino, adulto, velhinho...
e sempre criança
montão de responsa nenhuma
artista criança

pois sempre que olha o artista pro artista
não vê outra coisa, outra vida
não vê outra face, outro jeito
que não o trejeito 

criança

de quem e pra quem admite, suporta, nem olha
ou só se apaixona.
que coisa, artista é sempre criança!

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Sem título

Que por não ser capaz de escrever um décimo do que sinto, do que converso comigo e contigo dentro em mim, é que inda sou bem quisto, é que não sou e talvez nunca venha a ser um grande escritor além do grande escritor que sou. Que por tanto ter, e pensar, e ter pra perder e ganhar, é que até mesmo creio, em momentos assim, não ser assim tão fraca memória minha. Nas abstinências, e sequências, e orgulhos cheios de remorso na indecisão e bipolaridade que somos todos, me acho único, supremo, o maioral.
A narração do gol de Cristiano que perdi enquanto soberba minha exercitava em humildes traços desenhados enche-me os olhos d'água, o corpo de arrepios; estou vivo. Diante da homenagem a Luciano do Valle, lembro-me também de Elísio e tanta gente linda que se vai. Sou também tudo de feio e belo, todo erros, pecados inventados, não me aguento e não me deixo. Independente do que seja, sou mais um, eu não sou único; e o pecado maior é estar vivo. Só assim, portanto, acertamo-nos. Sejamos livres, pois, livres somos.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Sobre se entregar

sou olhos de poeta torto
um marginal
espero, sem me importar
quando os olhos da criança
(que não me olha)
pousam
em mim

os olhos da criança insistem, anseiam, confiam-me algo mais
isolam por segundos
tão minha abstração
meu querer nada
querer
mais nada

poeta marginal de olhos tortos
possuo novos olhos
os olhos da criança não me olharam
e ela nunca saberá
o quanto me cuidou naquela noite.

terça-feira, 4 de março de 2014

Instante-luz, um flashback

não mais me espreito, espraio
sou própria onda, o vasto
um timbre grave, suave, a proclamar-se
piano doce, pulsar tão doce, alento doce
(como um ácido flutuante ante minhas vestes de mundo
e corpo)
há sempre aquele que se despe
e, ao longo tempo das vidas,
todos serão quem sempre são

não mais me espreito, espraio
um doce remir, a melodia, instante
(mas que pulsar tão doce!)
o doce na vitrola, a vida
(praticamente um pesar que se verá, por tão feliz no agora)
e há de ser feliz, daquela felicidade tão doce,
mas tão doce, tão doce, a vida
que já esquecida, renovada
a luz dos dias

lembrança nunca exata
tamanho o perigo do olhar da face, a face
retratada
(como um quarto de um doce à época errada)
a necessidade da imprecisão, volume
memórias...
olhar da face
e a face no olhar
tão doce

mas não tão sempre assim errado
há quem seja o mais correto e careça se cuidar
são normas, o mundo
não mais me espreito, espraio
à luz de mim
minhas próprias ondas
regurgitar

sensual, canta-me ao ouvido
sem definição a voz tão doce, ó, Deus!
libido
algo assim tão doce
assim doce, assim tão doce, doce
um fim de noite
em meio ao nada
e sou, somos

proponho um brinde, amor
uma taça de champanhe
e é a vida, a vida
por entre fatos e reclames, um convite
quando não entorpecida
um doce, um doce
assim tão doce
qual poema não havido, vive
palavra dada ao mesmo nada, palavra nada, o nada
e o poema, aquele
enfurecido por tamanho inexistir
mas assaz calmo, leve, um peso nada, nada, a achar graça
assim o lúdico, mas nem mais graça, então, agora
o único no mundo ousando a paz
o doce...

ausentes amores, meu coração
um doce olhar tão doce
um doce olhar
em mim
me diz
um doce olhar
em mim.

Café VI - na praça

na praça
está a tarde
na praça
sou nesse instante
na praça
crianças brincam
balanços
a balançar...

na praça
não me confundo
na praça
eu me espraio
na praça
o estribilho
descansa
do carnaval

na praça
fumo um cigarro
na praça
não tem problema
na praça
distante as rimas
se espalham
não mais a sós

na praça
poucas palavras
na praça
um sem suspiros
na praça
Seo Dito chega
reclama
é o numerário

na praça
problemas deitam
na praça
desvãos se vão
na praça
estrelas chegam
a luz
a traduzir

na praça
faço um poema
na praça
outro cigarro
na praça
a poesia
os ares
a se abraçar

domingo, 2 de março de 2014

Nova obra poética - Tão qual tristeza - Condolências - Indiferença

pelas ruas, a tristeza
nos semblantes, nas ausências
pelos bares, nas igrejas
nas servis e esparsas condolências
pelas ruas, a tristeza

refrões, aliterações
dos carinhos da tristeza
inicio minha nova obra poética
com ajuda
da tristeza
alheia:

a tristeza pelas ruas
livre, leve e solta
solta seu aroma
inebria
perfuma de cerveja o vapor do homem a andar nu de seta
e perdição
bafora na cara do hoje
notada falta de qualquer espera
busca o esquecimento
de quem nem se soube
o tempo qualquer perdido
nessa falta de amanhã no hoje
um constante suicídio
essa causa da tristeza

a tristeza congelada no olhar daquele a cruzar ruas
atento aos sinais
desprovido de quereres, instintos
distraído ante a própria vida
a própria obra
poética

à margem dos próprios passos
conduzido que é
pela tristeza
não se vê
não olha ao lado
um repouso
no colo feliz tão qual cansado
da tristeza.

são refrões, aliterações, percalços descalçados, condoídos
infelizes, indecisos
reais tão qual sentidos
é uma dor física, clara, por dentro e fora, bela e podre
por dentro e fora
a tristeza.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Café V (ou Coincidência)

o doce restante
na xícara
a amainar
fustigado corpo
procura em estrelas do céu
das bocas
do céu
de estrelas
a redenção
ilha esquecida que sou na manhã de quinta cinza
e clara
quando o obscuro
é direção.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Nos olhos da menina III

"Bom dia!", disseram seus olhos às sombras minhas
e tudo ganhou novas cores, iluminou-se
quarto, sala e o sangue que, a correr quase que por mera falta de opção,
de súbito aqueceu o que julgava nem mais meu;
ela é minha mais doce e nobre poesia.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Rituais de mim

Gosto dos rituais das coisas, faço questão deles. Não que eu ache que todas as coisas tenham seus rituais, e sim porque creio que estes são as próprias coisas. O café, o bolo de chocolate, a cerveja, o sexo, o estudo, a escrita, a careta, a carinha de anjo, o carinho, o desejo, o primeiro olhar, o primeiro e o último beijo. Mas quando o ritual é o do último beijo, tendo-o por assim durante o mesmo, não foi o ritual do último beijo, descobre-se depois. O ritual do último beijo se nos revela postumamente, quando só então o temos e assim sabemos, o beijo, como último. E muitos dos rituais, além desse último, o do último beijo, revela-se também apenas depois. Explica-se aí que não falo de artificialismo, tampouco de algo superficial, quando falo em rituais. Ritual nada tem com apenas superfície. Apenas se também assim o fôssemos, o que não creio. E a falsidade também é ritual.

Sou meu próprio rito, meu ritual me é. Gosto do jeito com que preparo tudo; preciso preparar. Gosto do jeito de saber a música a ouvir, e mesmo o não saber, o mostrar-se repentino da cantoria dentro em mim, é ritual. O jeito de separar o material pra aula e o jeito de desistir da aula me emocionam e convencem tanto quanto a própria aula, ou seu desconvencimento. Fica tudo eternizado como grandes aulas da vida. Gosto da necessidade de tocar a vida, da forma como se dá, tão logo após a desistência vinda da desesperança. Gosto demais do ritual a que se dá meu renascer, e é a partir dele que entendo como me morri. É então que me perdoo, repreendo-me de forma mais lúcida e compreensível que o tocante ao ritual do desespero ante inevitáveis mortes; compreendo-me. E tudo se dá através dos rituais, rituais de mim. O jeito que me perco dentro do mercado ou na avenida me explica exatamente os porquês das perdições de minha vida. Sinto medo. O jeito que me tenho por seguro noutro instante é exatamente a forma como então me tenho todo pés no chão; e temo isso também. Mas amo a todos, tenho completa, plena fixação pelos rituais que sou. As formas de me conduzir, diluindo e digerindo cada passo do momento. Rituais, rituais de mim.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Na noite estranha

crente, fraco
acossado!
incongruência no vazio
dente! mordida no vácuo...
solidão, cerveja quente
sexo sem graça
corpo gelado
mórbido
desfeito
a mexer-se sobre o cansaço
opaco, doce, mistério, lembrança oca
bruta, bruta espera
valente teima em não se dar
langor do mundo.

não há extraterrestre algum
tampouco ortografia, conjugação de verbo
ou correções
tudo é carência e fantasia
recorrente langor
do mundo.

diabetes, o ato de suprir
todos se necessitam
ninguém suporta alguém
eu tenho um inexplicável e indiscutível
langor do mundo.

minha variedade é misericórdia
não fosse assim, talvez
nem mesmo vida existiria
charlatanismo. e temos a verdade:
o que é real.

mundo algum existiria não fosse a variedade
cruéis coxas, pernas nuas
crianças pela metade
dispersão, nostalgia, medo
malditos e benditos anjos
em toda e qualquer esfera há tempo e lugar pra tudo
é tempo e lugar pra nada
cerveja quente, café frio
gordas, puro osso
a remexer-se
destrambelhadas
ameaças da insegurança
café sem cor e sabor
cerveja quente
cheias de boca e palavras
o tempo todo
até que, um dia,
acaba.

um corpo cheio de incompreensões atirado aos porcos e ratos em meu quintal
olha por dentro, perscruta-me
pressente e percebe os olhos virando vidro
nada mais vê do mundo
mas volta e fala o perfume ao correr dos passos
tudo, de repente, é madrugada,
desnudo,
repentino.

multidões, abismos
uns dias, compreensível; sempre inexplicável
poesia visual dentro do peito, fio de lágrima nos olhos
um bicho barulhento e cansativo sobre os ombros
música e gemido.

domingo, 26 de janeiro de 2014

O meu prazer

o meu prazer em seu prazer
para o meu prazer
e o seu prazer.
o meu prazer
limita.
o seu prazer
limita.
o meu prazer
só, solitário
é frustração.
melhor que seja
masturbação.
o meu prazer
é o seu prazer
com o meu
prazer.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Pedrinha

nunca usou droga na vida
às vezes, sim, uma cervejinha
que ninguém é de ferro
mas tanto testemunhou do esposo
entre uma e outra visita à clínica
voltas, e sucessos, e novas voltas, recaídas
que mui íntima se faz da pedra
e a trata, assim, de forma quase carinhosa
como alguém da família, ou amante
uma bandida querida
“não, não!, fosse bom fosse só a maconha
mas lá estava ele com a pedrinha”
assustada há muito não mais
já bem mais conformada
a visita deixa
sobreavisada
“tem dinheiro na carteira?
Fica esperta, meu marido é viciado”
nada mais é o fim do mundo
vive a vida, cria os filhos
vai e volta do mercado
do trabalho, lutas outras
dignifica todo passo das horas, dos dias
da profissão viver.

Em frente à festa na Avenida Pedro Ometto

olho-me
olho eles
olham-me...
olham eles 

eles todos
olham todos
passam de carro
olhando tudo
e tudo
é muito engraçado
todos eles
eles
e eu.

Cicatriz na língua

uma cicatriz na língua
de quando as palavras, quais não se bastam
resolvem-se em trevas
dissolvem-se no irresoluto de todas as coisas
uma cicatriz na língua
para me dizer algo mais
tão depois, tão depois

uma cicatriz irá
para todo o sempre
falar-me na única língua
às vezes
compreensível
a pancada, o soco, o tapa
o taco de beisebol no meio da ideia
mal dita
maldita
a conquista de um trauma

uma cicatriz na língua absorve-me
como nunca outras tantas
no coração de um homem delicadamente só
o fizeram
o fazem
mais homem

sua cicatriz na língua o lembra
de quão homem é
do quanto pode ser.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Todos os poemas são de amor

escrevo meus poemas de amor
quer dizer, todos eles, escrevo todos os meus poemas
(claro)
pois, como bem disse Quintana
todos os poemas são de amor
mas nem todos os meus poemas, de amor
publicados podem ser nas redes
afinal, há crianças também por elas
e, não por elas, as crianças
mas pelo adulto hipocritamente castrado
não posso ver prejudicado
meu trabalho, minha sobrevivência nos dias
aos dias
meu pão, minha lucidez
impossível de ser mantida
no meio de conversas que
caso eu não seja, a todo tempo
pelos meus poemas
de amor
medicado
hão de
indesculpavelmente
levar-me.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Poema ao amor meu

singular tão qual pôr do sol a marcar-me, mais que o fim da tarde,
até o fim dos dias.
única, suprema, sublime;
és a cor nos olhos meus
e o olhar dos anjos a cuidar-me.
inerente à condição da sofredora arte, és meu maior papel.
mural de meus dias, a luz
junto à sombra propagada pela face da felicidade de outrora;
o que no diário não se inscreve.

és a frustração de quem escreve,
o que sacia a insatisfação da gula apaixonada
pelo ocaso, estrelas,
pela própria fome.
és o direito à fala, a salvação do terror de meus dias desiguais
e o dourar do mais bonito de meus sonhos.
a especiaria, o tempero dos amantes
e a inspiração ao que não podem conceber.

Ah, se te descobrem, musa minha,
o mundo ganha novas cores;
minh' alma perde em poesia.
corroída pelas vestes do ciúme, da ganância, egoísmo,
a não querer te repartir
com mais ninguém;
minh' alma grita imperiosa a meu pensar, desconsolado,
que eu te guarde, suspenda-te
em cela atroz, exclusivos faça a mim
teus gestos, e poses, e lábios, e dentes, e risos.
chantageia-me, ameaça-me
minh' alma;
lança imagens do abandono de mim mesmo,
caso eu te deixe partir.

és meu mundo, minhas letras,
meu papel pra emocionar.
és o que dá graça a qualquer tudo ou nada meu.
abissal canção de amor e morte,
és a vida e és a morte.
és meu coração e és razão,
o equilíbrio a fazer-me seguir firme
e única no mundo a, por completo, derrubar-me.

O meu amor, és o meu amor.
gratidão da vida minha,
agradeço-te existir
e o ato de me ser.
amor meu, inconsequente, inconsolável, sem medida,
irremediavelmente apaixonado
amor meu.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Arroz e poema

faltam dez minutos para acabar
o ano mais incrível.
Woody Allen e Bukowski leem para mim os últimos instantes.
enquanto escrevo, confiro o quanto baixou
a água do arroz.
mato mosquitos e baratas.
sonorizam-se os apartamentos todos
em um.
sobre meu teto não ouço mais os passos do cão,
agora provavelmente assustado;
rojões se confundem:
relógios desentrosados.
confiro outra vez o arroz
e não sei se sou
dois mil e treze ou mais;
um novo, velho, poeta nenhum;
e se ainda me alimento este ano.
vai depender do steak.
Feliz Ano Novo!