quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Rituais de mim

Gosto dos rituais das coisas, faço questão deles. Não que eu ache que todas as coisas tenham seus rituais, e sim porque creio que estes são as próprias coisas. O café, o bolo de chocolate, a cerveja, o sexo, o estudo, a escrita, a careta, a carinha de anjo, o carinho, o desejo, o primeiro olhar, o primeiro e o último beijo. Mas quando o ritual é o do último beijo, tendo-o por assim durante o mesmo, não foi o ritual do último beijo, descobre-se depois. O ritual do último beijo se nos revela postumamente, quando só então o temos e assim sabemos, o beijo, como último. E muitos dos rituais, além desse último, o do último beijo, revela-se também apenas depois. Explica-se aí que não falo de artificialismo, tampouco de algo superficial, quando falo em rituais. Ritual nada tem com apenas superfície. Apenas se também assim o fôssemos, o que não creio. E a falsidade também é ritual.

Sou meu próprio rito, meu ritual me é. Gosto do jeito com que preparo tudo; preciso preparar. Gosto do jeito de saber a música a ouvir, e mesmo o não saber, o mostrar-se repentino da cantoria dentro em mim, é ritual. O jeito de separar o material pra aula e o jeito de desistir da aula me emocionam e convencem tanto quanto a própria aula, ou seu desconvencimento. Fica tudo eternizado como grandes aulas da vida. Gosto da necessidade de tocar a vida, da forma como se dá, tão logo após a desistência vinda da desesperança. Gosto demais do ritual a que se dá meu renascer, e é a partir dele que entendo como me morri. É então que me perdoo, repreendo-me de forma mais lúcida e compreensível que o tocante ao ritual do desespero ante inevitáveis mortes; compreendo-me. E tudo se dá através dos rituais, rituais de mim. O jeito que me perco dentro do mercado ou na avenida me explica exatamente os porquês das perdições de minha vida. Sinto medo. O jeito que me tenho por seguro noutro instante é exatamente a forma como então me tenho todo pés no chão; e temo isso também. Mas amo a todos, tenho completa, plena fixação pelos rituais que sou. As formas de me conduzir, diluindo e digerindo cada passo do momento. Rituais, rituais de mim.

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