domingo, 16 de outubro de 2016

Homem virtude real, uma perspectiva

o homem inventa as drogas
(às quais aprisionar-se-á)
para livrar-se das drogas
que outrora inventou
prende a respiração, solta o ar que prendeu
para ganhar tempo para dinheiro criar
quando solta o ar, não se dá conta
da sujeira expelida, está cego
e com novo outro filho para criar
mas não sabe o que é criar um filho
(nem mesmo sabe que os filhos criou)
e então inventa o filho
remunera o filho
droga o filho
cega o filho.
o homem inventa então outras drogas
para privar-se da feia realidade
que à sua volta inventou.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Gente má

Pessoas más que não escolhem hora
Nascem, crescem, morrem
E não escolhem hora pra morrer
Pode ser numa tarde de verão das mais especiais pro filho
Pode ser aos cinco anos do menino
Que, sem pai agora, órfão vai andar num mundo mal
Que permite gente má a habitá-lo de maldade
Tornar-se-á pessoa má no mundo
Vai crescer, morrer, sem escolher a hora pra morrer
Podendo ser no jantar de bodas, ao pé da esposa
No único casamento feliz que houve no mundo
No mundo mal que casamento não escolhe
Pra permitir que gente má sem avisar se vá
Deixando a mãe órfã de outro filho, só no mundo
O amigo que outro amigo igual não tem e não terá
Menino, criança, velho, gente má
Os netos ficam, sem entender, de nada importa
Abre outra dose de mundo, deixe estar
De nada importa a tristeza que há de haver
Sendo tristeza no feliz tudo o que há.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

O Anjo Servo do Senhor

Nervo ciático, a noite escuta
Sede que fala, a noite escuta
Noite que berra, a noite escuta
Lua que ouve no viracopos

Noite que escuta, noite que canta
Coloriu prazer etéreo
Amnésia
Um anjo passou longe, a noite trouxe
Servia mais uma dose...

Cheguei ao lado pra ouvir,
a noite escuta
Ganindo, o cão avisa:
Tudo é sexo, é excesso
A noite conta que sou um ser indefinido

Mas ouço, a pena é que não lembro o que ouço
E a noite não volta contar
Quando volta, na outra noite
Estou ébrio outra vez

Late, late o cachorro
Sussurra o cão entre dentes
A noite sempre escuta!

Dor moral, tudo repetido é repetitório
Você entende a poesia
E a poesia não é feita pra entender
No endereço errado encontro a noite
E a noite não conta mentiras
Mas nada fala também
A noite apenas
Escuta
E atende

Quem chama sou eu, admito.
Mas a noite ouve tão bem...

Oh, Noite, abraço-te outra vez
Cruel e linda Noite
Incrível como nunca te escondes
E nunca te presto devida atenção
O endereço é sempre o mesmo
E eu, todo incerto.

Descubro-me a mim, logo eu
Um indivíduo cheio de certezas
(Sim, certezas.)

Tapo os ouvidos para o que o padre diz
E ouço novamente
O Anjo Servo de Deus
Ele a indicar caminho está
Escrevendo sempre reto por linhas tortas
Mas como cansa, Meu Senhor...

Sou certeza em pensamentos
Ainda que não os entenda
Ainda que eles sejam um tanto quanto poesia também
E ainda que eles sejam um tanto quanto poesia também
Também os ouve, a noite

Noite escuta, noite escuta
A noite fala, a noite não fala
Canta bastantes vezes
Canta bastante, a noite

Noite noite noite noite!
E essa gorda a meu lado não para de comer
O cheiro, pra mim, é pior do que o cheiro de merda
Merda doce

Mastiga sem parar
Procura com a mão enquanto mastiga
Mais doce no saquinho
Mastiga merda
Merda
De cavalo

Este pode estar sendo o último cigarro
Vai morrer
Ou parar de acreditar no Anjo Servo do Senhor

Mas ainda há noite
E enquanto houver noite
Tem sentimentos...

E ama.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Poema viva

De onde vem a vida
Se é que vem a vida
O quanto estamos nela
Se é que a existimos
O quanto o meu viver
Além de brincadeira
E do brincar de sério
Levar se deve a sério
Qual tanto é de verdade
Que tanto amor me vale
O que se chama amar
Um verbo assim sabido
Por que se preocupar
Mas se não se preocupa
Como vai me enganar
E se não me enganar
Por que aqui estar
Eterna brincadeira
De a sério me levar...

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Dos advérbios, adjetivos abjetos e outros queridos entes

Vai, se culpa, o inocente
Inconsequente e indulgente
Forte e vil suficiente
Fraco corpo, torpe mente
E se desfaz comigo ausente
Faz tempo, eu, sobrevivente
Assim, insuportavelmente
O mais teimoso, o insistente
Nem feliz, nem descontente
Anestesia entorpecente
Faz-me o sujeito indiferente
Comum, comum a toda gente
Estar incluso, eu, de repente
Percebo, um sempre, novamente
Repete e pede (é comovente!):

Mais uma dose
Outro trago
Mais outro dia frio
E finaliza
A conversa das rimas mesmas
Num mesmo imenso vazio.

sábado, 14 de maio de 2016

Em paz pra morrer em paz

Chambers
mais rapidamente do que veio
foi-se.
O moço do condomínio
responsável pela administração das coisas sérias
incumbido foi de finalizar Chambers
e todos os seus outros amigos, sem rosto.
De Chambers ficará a saudade
de uma tarde morna neste denso outono quente.
De Chambers, um sentimento inaudito
Um ineditismo
Um début
Outro
Novo
Chambers...
Passei a ser também
Voltei a ser
Um novo e outro homem sem semblante.

Testamento de um paisagista que não conhece os ossos do ofício

Em paz estou pra morrer são
Deixar de ler, e de escrever -
O último poema.
A última cerveja de Deleuze
Não mais brindar-me-á o fim dos dias.
O derradeiro manifesto
Público
Com ou sem política dos jornais
Não há de se exercer.
Não hei de suicidar o apoteótico e insinuante inseto das noites calmas.
A festa última não há de despedir-se, assim,
De mim.
As portas hão de estar fechadas
Para um último adeus.
Deixo os restos de vida
E de poesia
Para que me permita
Estar invariavelmente a voar
Por sobre vosso inefável encanto
Doce
Opaco
Santo
Dos olhos que não leem.
Somos, como disse o Poeta eleito
A paisagem da paisagem
Nas impurezas de um sempre branco.

sábado, 9 de abril de 2016

Da sempre nula liberdade (o poder da posse)

Pois que só se perde o que se tem
Ter é perder a paz
É, previamente, perder.
Tua amizade, teu respeito
Tua
Admiração
Tua vontade de ser mais eu.
Minha vontade de ter você
Passa a ser guerra
Interna
A partir de satisfeito...

Teus olhos nus
sem nem respeito
Encantam-me
E sofro
(é, previamente, perder).
Teus olhos nus
me são
E tenho medo
De me perder
No tanto que
Te amo...

E é Tanto que te amo
e amo, e amo, e amo mais!
(um desespero)
que sinto medo
(medo é tudo o que verdadeiramente temos)
de te perder.

E sei
E sei nem mais tão fundo assim
que te perdi
Ter é previamente, sem interrupções
Perder.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Quintana

Justamente a contradição afirma o ser feliz
Mora na falta, na insatisfação, no carecer a busca
No infeliz
Mora no descontente
No estupefato
No grito preso de revolta
No inútil grito a desdizer a própria sorte
Na tinta oca da caneta do poeta.
Reside no impossível
A transformar
Realidades tristes
Tornar real
O belo
No já triste concebido:
O mundo.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Vizinho novo no prédio
Relâmpagos, carros, crianças correm
Um escorregador no parque
A menina, e a mamadeira, e a mãe levando as compras, e o olhar de espanto ao aceno
Jazz de Woody Allen
Junto ao som da chuva
E da nova vista
Novas vistas sempre fazem som em mim
Casa nova, vista nova, nossa nova poesia vista assim.
Ofusca
O sol, meio que ofusca, é filtro
É filtro, e meio que ofusca, o filtro
Brilha e ofusca o fosco
Não sei se é fosco
Ou, se o que faz
Ofusca
Se, pela falta de filtro
Faz-se fosco
Não sei bem de cada uma
Seu significado
É só um jogo reles de palavras.

Nome do poema: Bebeu

fez um poema de amor à vida
sem escrever
sem dizer não
sem dizer nada que dissesse algo
que toda hora tanto pedem
sempre pedem sim ou não
sempre pedem que seja, ao menos,
sim, ou não, ou sim e não, ou, pelo menos, um sim e um não
ou, pelo menos
nem sim nem não
e ele disse
nem sim nem não
ele não disse.

A culpa é do caranguejo (um poema que fala de amor)

Vida dor
Saudade constante do que ainda não se foi
Lua nova,  prazeres do sempre todo
Um sempre esfriar das entranhas
Um curto tiro são três anos
O aprendizado fica ainda que tantas vezes desafine
A música dos dias ganha novas cores
Sempre todo dia
Os acordes da canção vida nos grita a vida que é sempre hoje
(A vida urge)
Três anos é tão pouco e é tanta coisa
Um tiro curto essa nossa paixão por vida
A aula insuportável
A sublime aula
O café
A cerveja do matar aula qualquer
Ou qualquer aula
(Importa mesmo é a sede)
Um frio, um frio que mostra
O quão quente ainda está
O nosso amor

A poesia de todo dia desenha as linhas novas do que de novo está por vir
Pessoas ficam
Gente é o maior aprendizado
Ainda que por tantas vezes o aprendizado desafine
Mas nossa luz evoca a mais linda canção de amor
E nossa luz existe apenas
Na conjunção de nosso ser
Eu sou vocês,  vocês me têm
E somos um
Amor.

Passagem de ida e volta (um poema de amor a elas)

Numa viagem que fiz de ontem pra hoje
tenho a impressão de ter lido um poema
bonito
falando sobre uma boa menina
forte
e bonita.
Irredutíveis, meus ais mostraram-me saber nada, eu
da vida
durante a volta
(como foi sofrida a volta).

Li, durante a viagem, um poema sobre uma moça forte.
Quando voltei um' outra bela moça
forte
(mas que bela!)
perguntava-me sobre ele.
Havia, na verdade, feito a pergunta um dia antes
(creio que durante essa viagem).

Fiz uma viagem sofrida
(Mas que sofrida!)
Em que conheci um poema sobre uma bela menina bela
bem forte.
Conheço algumas belas meninas belas
(Mas que belas!).
Os bons poemas parece que sempre cativam-me
não mais, porém, que as belas moças.
Essas, em especial
a menina do poema
(pois estava também ela, existente, a moça que já existe, no poema)
e a que perguntou sobre o poema.
Mas que belas!
São meninas extremamente belas!
Todos os dias me apaixono
por elas.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Fruição

Reside na pressa o insalubre
O insaciável
O insatisfeito
A infinda insatisfação
Ainda mais trágica
Nos inquietos seres
A insatisfação acima da ociosidade do sempre.

Busquemos a calma
O oposto à inútil celeridade dos dias
De todos os dias
À desesperada busca exacerbada
no todo sempre 
Por nada
Eterno nada que somos
Pois que nada sendo
Inútil mostra-se
Correr
Inútil mostra-se
a pressa
De vida
A açoitar o deleite
Da vida
O belo do existir
As cores nossas de cada dia.

Busquemos
na calma
No delicado fruir da calma
A salvação do encanto dos olhos
Há tanto perdido
Que há tanto perdemos
E adeus
À pressa.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Poema de um folião feliz

Diz o meu carnaval
Ser mais distante que alegre
Hoje, diz, o meu carnaval
Ser menos festa que outrora
Que dentre os risos das errantes serpentinas
Procura um mesmo eu e só encontra angústia
Nas luzes foscas só deixa-se iluminar
A dor
Esta, sim, de outros carnavais

Já fui jovem, sim, já fui algo antes
Hoje, sem nome, órfão de todas as cores de uma morta idade
De pecados outros
Quando ainda cria amar verdadeiramente
Quando ainda cria em mim

Hoje já nem mesmo pena, já nem mesmo por mim mesmo
Posso ousar sentir crendo que sinto
De verdade, verdadeiramente
Um pleno amor carnavalesco carnaval.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Um bom ator não engana a si mesmo (Lei dos contrários)

Pra que sair
Se lá fora o mundo é o mesmo
Pra que buscar
Se o resultado está escrito
Ou escrever
Se as possibilidades nunca além de duas são
Nunca além dali estão.
Por que voltar
Se o céu de casa é o mesmo
E lá tão encoberto aguarda-me
Pra que as horas
Se aqui toda a cerveja está
Donde é que estás Maria?
Donde é que vim?
Pra que querer saber
Por que não vou querer
Pra que pensar
E como não pensar
Tantas perguntas
Um verdadeiro show da Luna.

Suprimam-se as interrogações

Qual recomendação
Que valha
Quando tudo é uma pergunta.
Resuma-se. Esqueça-se.

As crianças,  as mulheres, as mães,  as leis, o âmago que tudo sabe e nada conta
Os jogos, a poesia abstrata demais
Que não me deixa em paz.
A querência de paz e amor
É mal fingida
Atriz xinfrin de filme pobre
Sozinha
Às portas da rede globo
Tentando a cena em que já sabe-se

Inserida: atuante. Passiva.
É pobre
Mas não sabe que é pobre
A alma.
A dela?
Não, a minha
Que pensa estar nalgum lugar
Pra perguntar de onde veio

Problema há em se importar?
Não há.
E em não se importar?
Não há, pois que não se importa.
Por que olhar, então,  para os dois lados
ao atravessar
Se a via é de mão única

Basta que olhe apenas pra donde não vêm as carruagens
Mas que importa?
A verdade, outrossim, é que todos, sim, se importam
Não ignore,  apenas.
(Queira saber.)
O poeta que diz sou nada, não posso querer ser nada
Diz também ter em si
Todos os sonhos do mundo.
À parte isso, sempre acompanhado está
E nunca nos livrará de si.
Diz a palavra nunca
Nunca poder ser dita
A explanação vai de encontro à própria face.
É intraduzível,  inaudita, impossível
ser revista.
É impossível, a explanação

querer ser algo
Visto que seja
Mas ninguém saiba.
Tantas perguntas
Verde por fora, vermelha por dentro.

Passou em frente a mim uma moça gritando
De tão magra
Gritava, de tão magra.
Só não gritava pois que escassas encontravam-se
Todas as forças
(De tão magra)
Chegou a memória dela em meio a meu café
Que agora esfria
Conquanto eu tenha culpas também
Por ela, assim, tão magra
Não posso deixar de alimentar-me
Sou outra pobre alma, enfim.
(Solitário o poeta não está no mundo
O poeta, aquele.)

Mas foi uma imagem qualquer coisa poesia,  aquela
Um filme de Stanley Kubrick
Uma cena que não sei
Talvez de um outro
Que importa,  aliás?
Visto que todos amam-se
E também não
E todos olham para os dois lados
Antes de atravessar
Às vezes até se esquecem
Ou mudam de opinião
Deixando estar.
Aberto, o sinal de trânsito
Só,  fica e permanece

Tranquilo ainda que desperto
E curioso
Olhando o homem, sempre menino
A mudar de opinião
(A direção)
Todos podem, e devem
Mudar de opinião
Mudam gostos, morrem, renascem e nascem paixões
E todos devem ceder
Nem todos cedem.
Assim é que o nosso mundo
Embora ainda se creia
Fadado está a se extinguir
Mas quem se importa?


Ficarei aqui, mofando
Até o momento em que não creia mais
E então menos motivos inda
Terei pra ir.
Mas quem se importa?
Retiro-me.

Pronto fim azul

A prostração do existir
Insolucionável
Nada é nada
Qualquer ato é falho
Estagnar leva à morte
Crer é fingir vida
Insolucionável questão
Indagar é admitir
Calar, entrega
A entrega leva à morte
Do coração
O coração, desde onde nasce,
Parado está
Já não suporta
Tamanha aniquilação
Que é a busca, no existir,
De algum sentido
E decreta:
Qualquer e toda vida já nasce pronta
E morta.

O resto é poesia.