segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Nos olhos da menina II

perdida entre a boa educação, o narcisismo, o destrutivo, a diversão;
molhada de prazer e sujeira;
perdida na certeza da culpa que precede o ato,
está pertinho de deus.
a mordiscar indeléveis rendas tecidas pelo tempo contado
com seus amores,
cada conquista um novo grão
a adoçar a vida dos que dizem se importar,
fingem não sentir;
enquanto finge ela
temer
nova paixão.

Às lagartixas e às meninas

Voltam as lagartixas,
cabeças de jacaré,
rabos de companhia
a sacudir a imaginação de quem não dorme.
(Verão na minha terra.)
Mosquitos fecham janelas,
quebram romantismos
e, a reclamar pelas ondas
transmissoras de carências,
ninguém dorme.
Mas amanhã é logo já,
vem o raiar e o florescer,
florida saia da menina
a convencer-me
do óbvio escolher de minhas dívidas, prazeres:
o verão de minha terra.

Amores

de um lado a outro de tão curto espaço do quarto,
reduzido espaço do peito,
os pensamentos, os orgulhos e remorsos;
de um lado a outro deste antro chamado consciência
(e salvação),
se debatem as paixões, me abatem os amores.
todo o tempo, o tempo todo
me consomem os amores,
dilaceram-me os amores,
embriagam-me, entorpecem-me,
dão à luz meu
renascer.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Obra-Prima

Todo dia,
a brigar com a timidez do poeta,
sua imundície.
Pecado original, livramento
do qual todos carecemos.
Sempre a brigar
com seu instinto
de fuga,
o seu instinto vital.

A persuadir a razão,
consolidar-se sua fé,
o perigo, o risco, o inaudível
som do coração.
A inconsequência do sofrer o sofrer que ninguém quer,
todos ousam
e ele inscreve.

Não mais que a vida em si,
maior poeta nas fotos de fatos
a todo instante,
o poeta,
divino eterno frustrado poeta,
contempla,
a morrer engavetada,
envidraçada pelos olhos pra vida,
sua maior poesia.

Café IV

Bêbado no entardecer.
Minha fé, minha fronte,
minha fronte feia.
Esperança perdida, sigo sem saber.
Almeida Brandão me situa, sigo.
É que o poema bonito
não sou.
A bela mulher que desejo, tampouco.
Não, não sou minha bela mulher.
(Ainda que seja também.)

Eu sou o resto
do conhaque,
do cigarro,
da primeira dose a servir
de aposta perdida.
E a enganação 
até que servia.
Agora me serve, garçom d' alma sã,
a mais nova última
cerveja do dia.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Nos olhos da menina

Nos olhos da menina vi possibilidades.
Chovendo com ela meus anseios,
minha sede de um colo,
um repouso.
Nos olhos da menina me enxerguei
aventurei-me.
Fiz dela os versos de minha poesia;
e minha poesia se fez flores.

Mas não só flores fazem minha poesia
e em seus olhos fulguraram dissabores;
nos olhos da menina, o mau tempo.
A chuva é tempestade,
nos olhos corre o sangue
brutal das veias pulsando
incertezas.
Naturezas conversam,
entendem-se,
fecham-se;
reduzindo
ao nada
corações.
Em meus olhos
e nos olhos da menina.

Talvez um dia

Talvez um dia eu me lembre
de como passei a traçar
tristes e felizes traços
do que sou aqui.
Talvez um dia passe a entender meus amores
e toda a incoerência
visando seu não entender.
Talvez um dia eu passe a falar de política
como quem finge e convence
saber até poesia.
Talvez um dia eu passe a entender os poemas
sobre os quais falo e não falo;
sob os quais bordo meus dias.
E minha azia assim passe
como quem passa distante
e, assim, nem mais necessário
se faça minha vigília.
Talvez um dia, um moço decente.
(Talvez num dia indecente.)
Talvez um dia me encaixe.
Talvez um dia, a revolta.
Converse sobre a carreira dos grandes astros do rock;
o mal; o bem; meu eu no mundo.
Talvez um dia eu leia Os Lusíadas; Dante;
Bovary no original.
Mas, acredito que, acima de tudo e com tudo,
talvez um dia eu descubra
em meu grosseiro, comum e vazio distúrbio, meu eu inteiro.
E, como quem chega agora, pisando estranho terreno,
descobri-lo possa familiar.
E, assim, me saiba
de mim.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Balança o pôr do sol na janela, balança.

Balança o pôr do sol na janela, balança.
Esconde-se, reflete, alumia e de novo se esconde.
Balança o pôr do sol na janela, balança.
Acolhe-me, aconchega-me, balança, alumia e some.
Balança o pôr do sol na janela, balança.

Parece gangorra, gangorra...
Pôr do sol a brincar
enquanto a mãe chama:
“É hora de entrar,
hora de criança deitar!”

Fingindo ouvir não,
balança meu pôr sol na janela, balança.
Ora dança, ora dança.
Me embala, o menino, a ninar-me.
Balança o pôr do sol na janela, balança.
E descansa.