quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Limiar

Ao som das teclas do piano, o maestro coordena os passos do homem que, de costas, vai em direção ao precipício. A melodia acelera, reduz, valsa um tango numa só torrente, acelera como nunca e, no limiar da aurora, um staccato solitário breca a morte e arranca suspiros de agonia sucedidos por aplausos da plateia ensandecida: paixão e medo. Parece até o amor de nossos tempos; dos idos, e presentes, e vindouros tempos. Como a mulher e o homem, como o amor que nos induz a um novo tombo que nunca cai de vez. Que é sempre o mesmo tombo, mas que é sempre novo. Lentamente, a melodia recomeça, público em alerta. O homem não treme (artista maior). Deve ser ele (não sei), ou o maestro, ou ainda a música inaudível que, mediada pelos ares, conduz o risco, a tensão, a paixão e a tirania. Que nunca cessa. Recomeça a melodia. O homem, bailarina, conduz o coração, sem notar que é conduzido. Mas sente o cheiro da morte: staccato. A paixão que nunca cessa.

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