sábado, 9 de março de 2013

O menino, o pai, o doutor e a bola

O menino, o pai, o doutor e a bola


Sonhava ser jogador de futebol. E, nada novo para quem ali frequentava, estava entre os que mais se destacavam. Toque fácil, molejo, malandragem e habilidade foras de série enchiam os olhos até mesmo dos meninos maiores que, demorou nada, o chamaram para integrar o time dos grandões no treino mais duro dos domingos pela manhã. Começou a chamar a atenção de gente séria que lidava com o esporte  e vinha observar a molecada na busca por um possível novo Neymar. Foram conversar com o pai. O pai já havia tentado, tempos atrás, a vida na carreira futebolística, não vingou, tornou-se ginecologista, e queria o menino doutor. Mandou o menino pro quarto, dispensou a galera da bola e foi ter com o filho mais tarde. O pai era um grande espelho pro filho, e o filho, apesar da grande paixão pelo esporte, nutria uma ainda maior pelo pai. O pai não titubeou, foi enfático, contundente. Mesmo sabendo de uma maior afinidade do menino com o futebol, foi firme em seus argumentos, falando do curto tempo de vida útil de um jogador e também das reais possibilidades do "dar certo" em cada uma das empreitadas, ainda mais considerando a já tão grande proximidade com a profissão de médico, o poder aquisitivo para os estudos - algo que muita gente que sonhava com a área não tinha e que ele, o filho, deveria agradecer muito por ter - os contatos e, principalmente, o status social intelectualmente tão acima. O filho não fez um teste sequer, não foi mais aos treinos, largou a bola e embrenhou-se nos cadernos de medicina. Como jogador eu não soube, e, aos poucos, ninguém mais pensou nisso também. Como doutor, se saiu bem, o menino. Nada de fenomenal, um profissional do setor público que cumpre seus horários regularmente, só às vezes deixando um ou outro paciente na mão por algum mau humor proveniente de não sei onde ou o quê. Nota-se também, em intervalos ou mesmo durante alguma cirurgia, grande dispersão de sua atenção e uma tristeza no semblante. Considerando seu status, sua condição financeira, estabilidade e tamanha paixão pelo ofício, não vejo motivo pra tanto. Alguns dizem que, olhando um pouco mais atentamente ali pro fundinho de seus olhos, percebe-se ainda um menino correndo pelos imensos gramados da vida, uma outra vida, com um imenso brilho no olhar.

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